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Chico Alves

Parceria dos generais com governo Bolsonaro está por um fio

farda de general de exército, com quatro estrelas - Reprodução
farda de general de exército, com quatro estrelas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

31/10/2020 08h28

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Desde o início, o governo de Jair Bolsonaro é movido a bate-bocas quase diários. Como se o país não tivesse problemas sérios a serem resolvidos, xingamentos, provocações e desencontros viraram rotina no Planalto. As tretas dos últimos dias, porém, carregam um componente distinto: a sinalização de que os militares de alta patente podem desfazer a parceria com o presidente.

Já nos primeiros meses de gestão, os generais descobriram que não iriam ser tratados com a deferência que esperavam. Os filhos do presidente, os operadores das redes sociais bolsonaristas e o astrólogo Olavo de Carvalho se encarregaram de frequentemente distingui-los com apelidos, palavrões e fake news.

Uma dessas ofensivas de notícias mentirosas motivou a saída do governo do general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, um dos mais respeitados por seus pares. A seguir, outro general de reputação reconhecida, Maynard Santa Rosa, pediu o boné por sentir-se desprestigiado. Outros saíram.

Os que ficaram pareciam ter conquistado certa estabilidade, depois que parte dos representantes chamados de ideológicos também foi demitida. No entanto, a falta de rumo do presidente da República cria conflitos diários que acabaram por levar o relacionamento com os fardados a uma situação-limite.

Tanto os generais da reserva quanto os da ativa não engoliram a humilhação a que Bolsonaro submeteu o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao suspender o acordo para compra da vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com cientistas chineses. Pazuello, general de três estrelas da ativa, foi ainda humilhado no dia seguinte, quando o presidente gravou com ele um vídeo em que o ministro aparece dizendo que estava tudo bem.

Pela primeira vez, generais da reserva, que já faziam críticas indiretas ao governo, foram às redes sociais para criticar tanto o desequilíbrio de Bolsonaro quanto a submissão de Pazuello.

Poucos dias depois tornou-se público o desentendimento entre o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Em uma rede social, o militar foi chamado por Salles de "Maria Fofoca". Uma pacificação encenada deu fim à exposição do assunto, mas a turma da caserna sentiu falta da intervenção de Bolsonaro em favor de Ramos.

Ao clima já contaminado pela insatisfação foi acrescentado o duro artigo do general Otávio do Rêgo Barros, publicado no jornal Correio Braziliense, em que ele usa o general romano Júlio César como analogia ao que acontece no governo no qual atuou como porta-voz.

No texto, afirmou que o poder "inebria, corrompe e destroi". Deu pistas sobre o comportamento despótico do presidente e dos puxa-sacos que o cercam, além de alertar que os poderes Legislativo e Judiciário deveriam ficar atentos para conter os arroubos do Executivo.

Antes de publicar o artigo, Rêgo Barros conversou com vários colegas de caserna da reserva e da ativa que concordam com suas críticas. Normalmente discreto, sentiu -se encorajado a botar a boca no trombone.

No capítulo mais recente desse embate, o vice-presidente Hamilton Mourão fez à revista Veja afirmação diametralmente oposta a tudo o que o presidente Bolsonaro vem falando sobre a vacina CoronaVac. Enquanto Bolsonaro passou dias provocando o governador João Doria, dizendo que não ia comprar a "vacina chinesa", Mourão discordou do chefe com firmeza: "Lógico que vai".

Dentro e fora do governo, nunca houve a verbalização tão explícita das discordâncias entre Bolsonaro e os militares. E elas são muitas. O crescente escândalo da rachadinha e a clara intenção do presidente de proteger sua família, além da parceria com o Centrão, minaram os argumentos que os fardados tinham para considerar Bolsonaro diferente de outros.

A maioria dos generais não faz autocrítica e considera que valeu a pena apoiar o capitão para evitar a volta dos petistas ao poder. Reconhecem, no entanto, que o governo está sem bússola. Quase todos os ouvidos pela coluna não têm mais esperança de que essa gestão resolva as grandes questões nacionais. Os termos usados para se referir ao presidente são os mais duros possíveis.

A retirada do apoio a Bolsonaro não é decisão fácil, já que os generais sabem que a população vincula a atual gestão às Forças Armadas. Mas o desembarque nunca esteve tão perto de acontecer.

Enquanto isso, o Centrão esfrega as mãos, de olho nos cargos que ficariam vagos se isso acontecer.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no texto, Eduardo Pazuello é general de três estrelas, e não quatro. A informação foi corrigida.