Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lava Jato recebe atestado de óbito no dia em que inimigos chegam ao poder

Deltan Dallagnol e Sergio Moro conversam - Jorge Araújo/Folhapress
Deltan Dallagnol e Sergio Moro conversam Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

Colunista do UOL

03/02/2021 15h30

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

É emblemático que a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, louvada como a maior ofensiva contra a corrupção na política brasileira, chegue ao fim no mesmo momento em que o Centrão oficialmente volta a tomar conta do Congresso.

Após seis anos, 170 prisões e mais de R$ 4 bilhões recuperados em acordos de delação ou leniência, o grupo outrora liderado por Deltan Dallagnol encerra suas atividades oficialmente, informa o Ministério Público Federal.

Apesar de os procuradores da Lava Jato terem sempre colocado em destaque o PT e as figuras máximas do partido, como o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, foi o PP (atual Progressistas) que teve o maior número de integrantes acusados de desvio de dinheiro público: 35.

Pertence justamente a essa legenda o atual presidente da Câmara, o deputado alagoano Arthur Lira, eleito com ampla maioria depois de uma intensa operação de oferecimento de verbas e cargos por parte do governo.

Também outros partidos do Centrão que apareceram com destaque entre os alvos da Lava Jato hoje voltam a comandar a política nacional.

Enquanto as legendas demonizadas pela força-tarefa comemoram a supremacia política, o grupo de justiceiros chega ao fim no momento em que a revelação de diálogos travados entre Dallagnol e sua turma com o ex-juiz Sergio Moro não deixa dúvidas: sua atuação foi combinada com o magistrado.

Pelo que se vê nas mensagens, Moro orientou ilegalmente os procuradores sobre como deveriam agir para que tivesse condições de justificar uma sentença condenatória.

Ou seja: muitos teriam sido condenados pelo ex-juiz mesmo antes do julgamento.

Apesar das revelações, os defensores de Moro e Dallagnol acenam com os resultados obtidos e ignoram as ilegalidades.

Quem defende esse culto à personalidade não se preocupa com os ritos jurídicos que nas verdadeiras democracias garantem que acusação e defesa serão tratadas de forma equânime pelo juiz. Para os tietes da Lava Jato, o julgamento sumário é o caminho correto.

Dessa forma, basta ter convicção de que alguém é culpado para que este seja condenado. Provas seriam detalhes secundários. É o modelo de "justiça" colocado em prática nas ditaduras e regimes fundamentalistas.

Além disso, ao fim de mais de cinco anos de investigação, a Lava Jato deixou como rastro a bancarrota ou o abalo importante de grandes empresas brasileiras. Aqui foi diferente de outros países, em que operações semelhantes deram prejuízo somente às pessoas físicas envolvidas nas maracutaias, enquanto as pessoas jurídicas continuaram a funcionar em novos padrões, sem prejuízo da geração de riquezas e empregos.

O ímpeto antipetista escavou de forma profunda a institucionalidade nacional. Não que se possa dizer que os integrantes dos governos do PT foram inocentes. Porém, diante de julgamentos tão distantes do que rege o processo legal, tampouco se pode dizer do que exatamente são culpados.

A história mostra repetidamente que acreditar em heróis justiceiros não costuma ser um bom caminho, mas foi essa trilha a que o país seguiu.

O dia de hoje marca a derrota desses paladinos, que repetiram várias vezes que a Lava Jato iria riscar de uma vez por todas a corrupção da política brasileira.

Não foi o que aconteceu. Os inimigos de Moro e da força-tarefa estão mais fortes do que nunca, oficializaram hoje o domínio da Mesa Diretora da Câmara.

Além disso, os diálogos recentemente divulgados por ordem do ministro do STF Ricardo Lewandowski não têm nada a ver com o perfil de super-heróis construído pelos admiradores do ex-magistrado e dos procuradores.

Combinam bem mais com vilões.