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Chico Alves

REPORTAGEM

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Raul Velloso critica reação à decisão sobre Lula: Mercado governará o país?

Economista Raul Velloso  - Divulgação
Economista Raul Velloso Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

10/03/2021 04h00

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Desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo ex-juiz Sergio Moro, na Lava Jato, comenta-se que o "mercado" reagiu mal à notícia. Como o petista voltou a ficar elegível, analistas passaram a trabalhar com o chamado "risco Lula".

Do alto de sua vasta experiência no trato com os problemas brasileiros, o economista Raul Velloso, que foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento do governo Sarney e é o presidente do Instituto Nacional de Altos Estudos, critica esse tipo de análise.

"Se depender do mercado financeiro de uma maneira geral, eles mandam acabar com os políticos", observou Velloso, em entrevista à coluna. Para ele, o tal mercado repete o refrão de que é preciso cortar gastos públicos, quando o verdadeiro problema do país nesse momento é a escassez de investimentos.

Velloso critica outros fetiches do ministro da Economia, como o teto de gastos e as chamadas reformas. "Em um país como o nosso que tem quase US$ 400 bilhões de reservas, o Paulo Guedes diz que em três meses nós vamos virar Argentina, que não tem um tostão. Como pode?", questiona o economista. "Nós temos bala para aguentar a pressão".

Ele critica quem repete as receitas ditadas pelo tal mercado sem se perguntar se fazem sentido, como a sugestão de elevar a taxa de juros para impedir a disparada da inflação: "Por qual motivo tem que subir essa taxa, se ela não tem outra consequência senão a de criar recessão?".

UOL - Como o sr. analisa as oscilações do mercado após a anulação das condenações de Lula na Lava Jato?

Raul Velloso - O que eu percebo é que aqui no Brasil, mais que em qualquer outro país, existe um viés muito forte praticado pelos mercados financeiros contra o sistema político e a classe política. Esse viés faz com que, se depender do mercado financeiro de uma maneira geral, eles mandavam acabar com os políticos.

Mas depois quem é que ia dirigir o país, já que eles não têm nenhuma vocação nem capacidade de fazer isso? Eles não falam, mas tudo o que se faz ultimamente com bastante ênfase no país é uma demonstração de má vontade, descrença e falta de tolerância extrema com os políticos.

Pode ser até que eles tenham alguma razão nisso, mas eu demoro a aceitar essas opções radicais. Eu sempre acho que alguma coisa de pode se salvar. De repente, os mercados começaram indevidamente a pressionar de forma absurda na mídia ou nas lives para os governos cortarem gastos. O teto de gastos virou um símbolo.

Se tivesse Carnaval, teríamos gente do mercado financeiro saindo numa escola de samba onde apareceria a cara do Meirelles com o nome teto de gastos. Isso é um absurdo. A única consequência do teto de gastos é conter os investimentos que cada vez são mais escassos, seja nos entes públicos ou nos privados. Eles são complementares.

O teto de gastos, que decorre desse desejo de encolher o setor público, nasce não de uma teoria econômica que recomende isso tão incisivamente, mas muito mais do ódio que esses caras têm da classe política.

O mercado é que vai agora governar o país? Eles não sabem nem justificar o que eles dizem. Como vão comandar o país? Quem são eles? Só porque estão a serviço de quem tem dinheiro e aplica?

Que papel o ministro Paulo Guedes desempenha nisso?

Guedes tem uma aliança com eles (do mercado financeiro) nesse procedimento. Houve até uma vez que o ministro foi processado por ter falado mal do funcionário público. Ele é um contumaz verbalizador de posições anti-funcionalismo público e anti-investimento público.

No mundo há uma evolução de uns tempos para cá que tirou dos livros aquelas ideias antigas da Universidade de Chicago, do Milton Friedman, de que déficit público e a emissão de moeda que resulta dele são a principal causa de inflação. Isso não existe mais!

Sem dar nenhuma razão forte, os caras entram todo dia em vários lugares dizendo que tem que cortar gastos. É um bordão que se repete. Chega a uma certa altura que eles começam a acreditar nas besteiras que falam. Ora, em um país como o nosso, que tem quase US$ 400 bilhões de reservas, o Paulo Guedes diz que em três meses nós vamos virar Argentina, que não tem um tostão. Como pode? Nós temos bala para aguentar a pressão.

Quando trabalhei no Ministério do Planejamento, no tempo em que meu irmão era ministro, a palavra de ordem era investir, procurar projetos de qualidade para usar investimentos. Hoje é só corta teto, corta teto.

A economia brasileira está em situação crítica, com muitos desempregados e sem um planejamento claro. Um possível governo Lula seria pior que o cenário atual?

Não tem a menor chance. Não consigo ver algo pior do que isso que está aí. O problema não é gastar. Vai-se culpar o Lula porque gastou muito? Isso não é problema.

O problema foi subir demais a taxa de juros, por uma decisão do Banco Central. Outro dia li um ex-diretor do BC dizendo que é preciso subir a taxa de juros. Vamos fazer isso pelo prazer de elevar a taxa? Na gestão anterior, a taxa era de 14%. A única coisa boa desse governo foi o presidente do Banco Central ter baixado de 14% para 2%. Por qual motivo tem que subir essa taxa, se ela não tem outra consequência senão a de criar recessão?

Pensei que já tínhamos nos livrado desse mal. Isso causa estrago, não combate o avanço inflacionário. Inflação pode vir através do câmbio quando a gente tem um governo errático, maluco, como esse aí, que todo dia fica fazendo ruído, e um mercado financeiro igualmente errático e louco que fica estimulando os seus detentores de recursos para tirar dólares daqui. Aí o preço sobe.

Se você tem um bando de malucos atuando, uma hora a inflação sobe. Aí você aumenta os juros e adianta alguma coisa?

Em outros momentos em que Lula apareceu com chances de se eleger presidente, o dólar subiu, a bolsa caiu, mas depois tudo voltou ao normal. Caso Lula voltasse a concorrer e se tornasse presidente, acredita que ocorreria o mesmo?

Se não tiver uma razão realmente justificável para aquele fenômeno acontecer, as coisas voltam ao normal. Nada acontece por um determinismo de certas tendências. Não tem porque acontecer.

Os resultados ruins acontecem porque dirigentes são ruins, mas não posso generalizar para toda a classe política. Como esse que está aí (Bolsonaro) que é um fator de perturbação muito grande. E o ministro da Economia dele, que em vez de amenizar as perturbações só acentua. Não aceita que tem que cuidar da pandemia, que tem que aprovar o auxílio emergencial, nada de querer fazer essas reformas malucas numa época dessas. Mas ele quer implementar a ideologia liberal. E daÍ?