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"Só me calarão se me matarem", diz militante preso por criticar PM no RJ
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Líder comunitário carioca e militante do Partido dos Trabalhadores, André Constantine fazia na quinta-feira 4, na Cinelândia, discurso contra a forma de atuação da Polícia Militar nas favelas, quando teve o microfone arrancado das mãos. Acusado de desacato, recebeu voz de prisão de um capitão PM — apesar de suas críticas terem caráter estrutural.
Por sorte, a abordagem foi gravada em vídeo. Não demorou para que as imagens fossem parar nas redes sociais. A prisão de Constantine mobilizou parlamentares de vários estados, que denunciaram a ação arbitrária contra o direito de manifestação. Ele foi liberado.
"A gente está vivendo o aprofundamento de um estado totalitário no Brasil", denuncia o líder comunitário, nessa entrevista à coluna. Constantine é criador do movimento Favela Não se Cala e agora organiza o Movimento Nacional de Favelas e Periferias
No ato em que foi preso, denunciava que os policiais têm papel determinante na disputa territorial do tráfico nas favelas. "Uma facção se sobrepõe à outra de acordo com quem paga mais à polícia", disse.
Apesar do contratempo, ele diz que não vai se calar. "Não é a democracia dos nossos sonhos, mas é a que nós temos, e por ela estou disposto a lutar", garante Constantine.
UOL - O que o policial alegou para dar voz de prisão?
André Constantine - O capitão que era comandante da guarnição que estava no ato alegou desacato. Na verdade, eu estava tecendo uma crítica estrutural à Polícia Militar, em nenhum momento eu me dirigi a ele ou citei o nome deles.
A crítica era estrutural, como eu sempre faço. Mas em determinado momento do discurso ele se sentiu incomodado, foi até lá. Acho que nem percebeu que estava sendo gravado, ou se percebeu não deu a mínima. Retirou o microfone das minhas mãos de forma bruta e me conduziu até à 5ª Delegacia. Chegando lá nos acusou de desacato.
Só que tem o vídeo. Nós mostramos o vídeo para o delegado e ele viu que ali não havia tipificado nenhum crime de desacato. Todas as críticas foram à questão estrutural da Polícia Militar
O que você estava falando quando foi abordado pelo PM?
Falava sobre a polícia, desde a guarda imperial até hoje. Falei de como as armas e as drogas chegam para as favelas, que são os próprios policiais que trazem, várias coisas que quem mora em favela sabe.
Falei de coisas que estão nas pesquisas, que renomados juristas já abordaram em livros, não falei nenhuma novidade. Tratei da venda do varejo de drogas, da disputa territorial, de como a polícia tem um papel determinante hoje. Uma facção se sobrepõe à outra de acordo com quem paga mais à polícia.
Estava fazendo essas críticas. Em determinado momento ele se sentiu ofendido, achou que eu estava ofendendo a guarnição que ele comandava e me conduziu à delegacia.
A repercussão da sua prisão foi instantânea. Isso o surpreendeu?
Eles não esperavam por isso. A mobilização foi muito grande, eu sou integrante do Partido dos Trabalhadores. Acho que pelo simbolismo da atual conjuntura, o ato de ele tirar o microfone das minhas mãos, ainda mais sendo gravado. Aquela gravação proporcionou essa repercussão.
A gente está vivendo esse aprofundamento do estado totalitário no Brasil. A gente está perto de uma ditadura anunciada e isso está cada dia mais latente. Eu não esperava essa mobilização. Mas foi bom, até para minha proteção.
Houve alguma ameaça a você depois desse episódio?
A única coisa que aconteceu é que os PMs tiraram a minha fotografia e a gente sabe que quando acontece isso eles têm o hábito de mandar as fotos paras os grupos privados de WhatsApp deles. Mas não sofri nenhum tipo de agressão física.
Essa prisão intimida você de alguma forma?
Sou negro, pobre e favelado. Tenho 44 anos de uma vida dura, sofrida, de pranto, de dor, de luta. A única coisa que eu tenho é minha voz e essa voz ninguém vai silenciar.
Vou continuar falando o que precisa ser falado, denunciando o que precisa ser denunciado, ainda que isso custe a minha vida. Só calarão a voz do André Constantine se me matarem. Decidi assumir essa responsabilidade e vou levar isso até o fim
Como os policiais que circulam pelo Morro da Babilônia, onde você mora, reagem a essas críticas?
No dia a dia da comunidade, os policiais interpretam minha luta de forma errônea. Eu acabo lutando por eles também, porque nós temos a polícia que mais mata, mas também a polícia que mais morre.
Entendemos que eles são vítimas do mesmo sistema capitalista, mas não se reconhecem dessa forma. Acham que realmente defendendo o Estado, que o estado é neutro. Uma pena, mas acho que eles também são vítimas como todos nós que vivemos na favela.
Você acha que a abordagem desse policial faz parte de uma escalada autoritária, é sinal de avanço do Estado policial?
A repressão e a violência estatal vão se acirrar aqui no Brasil. Bolsonaro vai fazer isso com o intuito de usar o medo para inibir a militância de esquerda de tomar as ruas. Eu estou preparado para isso.
O que aconteceu comigo não é um caso isolado, vem acontecendo há muito tempo no Brasil, principalmente depois do golpe na presidenta Dilma e da eleição de Bolsonaro, que foi ilegítima, diga-se de passagem.
A militância tem que se preparar, aqueles que defendem a democracia têm que estar dispostos a doar suas vidas. Tenho muita responsabilidade com os companheiros e companheiras que tiveram a coragem e audácia de enfrentar a Ditadura Militar. Muitos foram torturados, sofrem com problemas psicológicos até hoje, têm sequelas. Outros encontram-se desaparecidos, porque foram torturados e mortos.
Eu luto em homenagem a esses companheiros e companheiras que tiveram a coragem de doar suas vidas. Não é a democracia dos nossos sonhos, mas é a que nós temos, e por ela estou disposto a lutar. Porque paz sem voz não é paz, é medo.
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