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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Morais conta em detalhes como Lula foi de sindicalista a líder partidário

Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, discursa, em meio a deputados,   durante a greve de 42 dias em 1980 - Folhapress
Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, discursa, em meio a deputados, durante a greve de 42 dias em 1980 Imagem: Folhapress

Colunista do UOL

03/11/2021 04h00Atualizada em 03/11/2021 08h03

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Um dos muitos atrativos da biografia "Lula", de Fernando Morais (Companhia das Letras), é acompanhar a gradativa transformação do líder sindical em nome de referência na política brasileira. Do militante que enfrentou com sangue frio o regime militar ao estrategista que vislumbrou a possibilidade de criar um partido voltado para os trabalhadores, o livro nos leva a acompanhar bem de perto a transição desse personagem histórico.

Dos tempos da resistência à ditadura, a obra conta episódios cheios de tensão, como a incursão de policiais ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, para prender Lula, na época presidente da entidade.

O fato é narrado com o detalhismo que fez de Morais o principal biógrafo do país. O autor conta como Lula encarou a situação com surpreendente destemor. "Eles que se fodam! Eu estou dormindo, porra!", disse, quando foi avisado que os tiras o esperavam.

Pouco depois era colocado no banco de trás de uma perua, vigiado por seis homens armados, e partia de São Bernardo em direção ao cárcere — a cena remete a outra, bem parecida, que o Brasil acompanhou pela TV em abril de 2018, quando Lula foi preso no sindicato para ser levado a Curitiba, onde ficaria encarcerado 580 dias por decisão do juiz Sergio Moro.

Apesar da coragem que demonstrou ao ser abordado pelos brucutus da ditadura, Lula confessou ao biógrafo que sentiu medo no trajeto, quando veio à mente o destino trágico de alguns companheiros."Comecei a lembrar de gente que tinha sido assassinada e que tinham desaparecido com o corpo".

Por muito tempo, se manteve nas duas frentes, como sindicalista, batendo de frente com o regime dos generais, e como um dos principais criadores do novo partido.

O livro destaca a grande sacada, durante uma passagem por Brasília: a constatação de que praticamente não havia operários entre os congressistas brasileiros. Isso fez com que Lula, que por muitos anos rejeitou a política, passasse a ser ardoroso defensor da criação de uma legenda que representasse essa parcela da sociedade.

Ao tratar do nascimento do Partido dos Trabalhadores, o livro faz uma correção histórica. A legenda nasceu em junho de 1979, em um hotel de Poços de Caldas, em Minas Gerais, e não em fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, como a maioria pensa.

A diferença não é apenas de datas: em Minas havia somente trabalhadores, enquanto em São Paulo se destacaram diversos intelectuais de esquerda.

Na verdade, mesmo antes de ir a Poços de Caldas, Lula e os sindicalistas do ABC já tinham debatido exaustivamente as bases do novo partido.

Em 1980, quando o PT foi apresentado ao Brasil, Lula ainda encontrava tempo para ajudar a organizar uma greve, antes de mergulhar de vez na política. Foi por causa desse movimento que acabou preso em uma cela do Dops.

27.fev.1981 - Luiz Inácio Lula da Silva deixa o prédio do Dops, em São Paulo - Folhapress - Folhapress
27.fev.1981 - Luiz Inácio Lula da Silva deixa o prédio do Dops, em São Paulo
Imagem: Folhapress

A minúcia de Fernando Morais coloca o leitor no centro dos acontecimentos, como se estivesse ao lado do protagonista. Para além da posição ideológica de cada um, seja favorável ou contrário ao petista, essa é uma das qualidades que o autor sempre faz valer a quem lê suas obras.

A julgar pelos trechos a que UOL teve acesso, mais uma vez, como na criação de outros best-sellers, Morais usou muito bem os dez anos que levou para escrever a biografia de Lula.