Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Arquipélago' do garimpo ilegal no Rio Madeira comprova: o Brasil acabou

Colunista do UOL

25/11/2021 07h58

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Ficaram para trás os tempos em que os bandidos da floresta agiam sorrateiros, aproveitando-se da madrugada. Agora, identificando como principal apoiador o homem que está sentado na cadeira de presidente da República, garimpeiros e desmatadores ilegais afrontam o mundo à luz do dia. Essa é a origem do arquipélago de centenas de balsas do garimpo ilegal que ocupa o Rio Madeira, no município amazonense de Autazes, a 113 quilômetros de Manaus.

Os criminosos sugam com bombas a motor o ouro do leito fluvial sob a vista de todos, sem pressa. Apesar dos danos ambientais, da contaminação das águas, da sonegação e de outros delitos que cometem, não precisam fugir. Até o momento, ninguém os reprime.

"Contamos nada menos que 300 balsas. Eles estão lá há pelo menos duas semanas e o governo não fez nada", relatou Danicley Aguiar, integrante do Greenpeace Brasil, em matéria dos jornalistas Bruno Kelly, Anthony Boadle e Phillippe Watanabe, da Folha de S. Paulo.

Atadas umas às outras, as dragas são como ilhas artificiais. Parte delas forma uma barreira que fecha praticamente todo o leito do rio. É proposital: em áudio revelado pelo jornalista André Borges, do Estado de S. Paulo, os bandidos dizem que pretendem resistir a operações de fiscalização do Ibama e ICMBio.

Somente após a divulgação das imagens na imprensa, porém, o Ministério da Justiça deu sinal de vida. Informou que a Polícia Federal está acompanhando o caso para adotar "medidas cabíveis com a maior brevidade possível". Isso mesmo: depois de 15 dias de uma ação criminosa gigantesca, o ministério tem coragem de usar a palavra "brevidade" para se referir a uma operação que ninguém sabe quando vai ser deflagrada — se é que vai ser.

O Ministério Público Federal, por sua vez, só agora cobra que sete instituições — entre elas Ibama, a superintendência da PF no Amazonas e o Exército — atuem de forma integrada para reprimir os garimpeiros ilegais no prazo de... 30 dias (!).

Os bandidos podem ficar tranquilos.

Assim como estão tranquilos os mineradores que invadem terras indígenas, como as reservas ianomâmis, deixando rastro de devastação e contaminação dos rios por mercúrio, sem que qualquer autoridade os incomode.

Também se sentem à vontade os desmatadores da floresta. Somente este ano, os marginais derrubaram 15 mil quilômetros de cobertura verde da Amazônia. Com o desmonte do Ibama pelo governo Bolsonaro — o déficit é de 3 mil servidores —, o previsível fracasso das operações do Exército e a autorização direta ou indireta que o presidente da República sempre deu — inclusive proibindo a destruição dos equipamentos dessas quadrilhas —, o banditismo ambiental faz o que quer.

Os criminosos se sentem seguros. Alguns bandos se gabam de ter o apoio de parlamentares federais e estaduais, governadores e prefeitos. Há também a parceria com os empresários que lucram com a devastação.

Não existe mais obediência às regras, nem quem exija seu cumprimento. As próprias autoridades e os homens de negócio se associam ao crime, sem subterfúgios, à frente dos brasileiros que observam a tudo pelos sites e emissoras de TV sem esboçar reação.

Em resumo, é o fim da institucionalidade. O Brasil acabou.

A partir dessa constatação, a tarefa que nos resta é recolher os escombros do país que sonhamos e a partir daí tentar construir um similar. É preciso criar uma cópia daquela nação cheia de futuro, esperança e alegria que várias gerações imaginaram e agora sabemos que nunca existiu.

Pelo menos hoje conhecemos melhor o nosso lado abominável. Isso permite a reconstrução em bases mais sólidas que antes.

Mas que seja rápido.

A Amazônia por muito tempo foi vista como um lugar do passado e recentemente passou a ser tratada como a garantia do futuro. Com o ritmo acelerado da devastação, corre o risco de não ser nem uma coisa e nem outra.