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Chico Alves

REPORTAGEM

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Presidente deve explicar ataques à Anvisa, diz representante de servidores

Yandra Torres, diretora-geral da Univisa - Divulgação
Yandra Torres, diretora-geral da Univisa Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

03/02/2022 09h42

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A Associação de Servidores da Anvisa (Univisa) encaminhou à Justiça interpelação judicial para que o presidente Jair Bolsonaro negue ou confirme as acusações feitas aos funcionários da agência de que eles teriam interesses escusos ao aprovar vacinas contra covid-19 para crianças. "Aguardamos a resposta para ver que outro tipo de ação pode ser adotada futuramente ", explicou à coluna a diretora-geral da associação, Yandra Torres. "São sempre insinuações sem fundamento em relatos fáticos ou dados objetivos".

Pela ação, protocolada no domingo (30), as declarações de Bolsonaro "podem configurar lesão aos direitos de personalidade" e motivar pedido de indenização.

Yandra explica que a iniciativa foi uma resposta aos apelos dos funcionários da Anvisa para que a entidade tomasse uma atitude com relação aos ataques de Bolsonaro. Segundo ela, as insinuações do presidente deflagraram uma onda de hostilidades aos funcionários. "Estamos numa escalada em que os funcionários da agência vêm sendo muito hostilizados, principalmente na área de portos, aeroportos e fronteiras", relata.

Em meio à tensão com as ameaças, alguns desenvolveram síndrome de burnout — enfermidade que prejudica os aspectos físicos e emocionais, levando ao esgotamento. Os problemas psíquicos se juntaram às dificuldades naturais de a Anvisa atuar na maior pandemia da história da humanidade com metade do pessoal que já teve.

Com relação à interpelação judicial, encaminhada em conjunto com a deputada Erica Kokay (PT-DF), Yandra diz saber que Bolsonaro não terá como provar as acusações que fez. "Outra coisa: se ele tivesse esses dados, estaria prevaricando, por saber de alguma irregularidade e não passar adiante", afirma a diretora-geral da Univisa.

UOL - O que levou a Univisa a decidir fazer uma interpelação judicial ao presidente da República?

Yandra Torres - Foram essas últimas falas do presidente, que culminaram com manifestos mais contundentes por diversos atores da sociedade. A declaração sobre qual o interesse na liberação pela Anvisa das vacinas para crianças foram cruciais para essa interpelação. O presidente vem numa escalada de ataques à Anvisa e aos servidores e chegou a um nível de ele apontar que a gente tem supostos interesses escusos na liberação das vacinas. Isso fez com que, de alguma maneira, se perdesse até as condições subjetivas de realização do trabalho.

Os servidores vêm trabalhando com um baixo contingente de pessoal, o menor que a gente tem nos últimos dez anos. O serviço que já tínhamos vem sendo somado à demanda da pandemia, que é um momento crítico. Os servidores abraçaram a causa da pandemia porque essa é a razão de existir da Anvisa, proteger a saúde da população. Então, as pessoas se comprometeram com um volume excessivo de trabalho por muito tempo. Já são dois anos de pandemia.

Aí, além desse volume grande de trabalho, com um contingente pequeno de pessoas, ainda vem os ataques do presidente. Entendemos que é preciso solicitar uma retratação, caso ele não consiga apresentar objetivamente dados ou informações fáticas que mostrem que há interesses escusos da Anvisa na liberação das vacinas.

Aguardamos a resposta para ver que outro tipo de ação pode ser adotada futuramente. São sempre insinuações sem fundamento nem em relatos fáticos e nem em dados objetivos. O que o faz levantar esse tipo de insinuação?

Quais são as condições de trabalho atuais na Anvisa?

Temos servidores exauridos pelo processo de trabalho e pela redução do quadro de pessoal. Existe um desmonte da agência, que já vem ocorrendo há algum tempo. A Anvisa vem solicitando concurso público, mas desde 2017 não tem ingresso de novos servidores. Com a reforma da Previdência alguns funcionários aceleraram a aposentadoria, não há reposição desses quadros. Não houve reposição das vagas que temos em aberto por diversas causas, inclusive óbitos.

Hoje, a agência tem 1.600 servidores. Já chegamos a ter 3.000. Um levantamento do RH, datado de 2013, diz que o déficit é de 1.600 servidores. Diante de tudo aquilo para o qual a Vigilância Sanitária se preparou a vida toda, que é proteger a população e o sistema de saúde de uma pandemia drástica, que ceifa a vida de milhões de pessoas no mundo, somos limitados em nosso trabalho porque não temos o volume de pessoas adequado para isso.

E também perdemos a condição subjetiva de atuar. Estamos numa escalada em que os funcionários da agência vêm sendo muito hostilizados, principalmente na área de portos, aeroportos e fronteiras. Mesmo assim, a Anvisa continua a ser uma instituição reconhecida nacional e internacionalmente.

Como essa hostilidade chega aos servidores da agência?

No controle sanitário dos ambientes de portos e aeroportos, por exemplo, os nosso colegas ficam expostos ao público. Quando estão na tarefa de cobrar certificado de vacinação, tudo aquilo que consta da portaria de ingresso de estrangeiros, parte do público desautoriza o trabalho da Anvisa.

Esse ano, no Porto de Santos, centenas de pessoas gritavam palavrões para os servidores da Anvisa que estavam ali informando que o cruzeiro foi cancelado. A operadora de cruzeiro deveria ter informado quando houve dezenas de casos de covid em uma embarcação.

Temos servidores adoecendo. Será que é possível fazer alguma relação, mesmo que indireta, desse adoecimento por transtornos mentais e comportamentais a essa conduta do governo federal? Existem servidores que entraram em estado de burnout. Por isso, digo que a gente perde as condições subjetivas de realização do trabalho, já que a equipe é desacreditada publicamente em veículos de imprensa (pelo presidente Bolsonaro). Assim é difícil você ir além do seu limite.

Mas de uma maneira geral os veículos de comunicação têm elogiado o trabalho técnico da Anvisa...

O problema é que a gente vive nesse mundo de pós-verdade e WhatsApp que comanda a opinião pública. Então, o seu familiar diz que você está fazendo uma coisa equivocada porque ele leu ou viu algum vídeo de ficção criado pelos negacionistas no WhatsApp. A gente perde até a condição de convivência familiar, as pessoas se queixam muito disso. A gente vai numa atividade de família e pode ser hostilizado pelos próprios parentes ou pelos vizinhos. Esse incentivo à hostilização que acontece em redes sociais e na vida privada dos servidores faz as pessoas ficarem abaladas emocionalmente. Nós somos seres humanos como quaisquer outros.

Qual a dimensão do grupo que faz esses ataques?

A turma é pequena, mas é barulhenta. Esse movimento antivacina é orquestrado pela extrema direita internacional, isso deve ser esclarecido no Brasil. Quais interesses têm essas pessoas? Como os recursos para esses negacionistas chega no Brasil?

Ou seja, justamente o contrário do que afirmou o secretário do Ministério da Saúde Hélio Angotti Neto, em sua polêmica nota técnica. O interesse escuso não está em quem produz a vacina...

Justamente o contrário. A nota é deprimente. Ainda mais que ele está sendo cotado para ser um dos diretores da agência.

Quais as chances de isso acontecer?

São cinco diretores na Anvisa. Desses cinco, um assume a presidência. Uma das diretoras da Anvisa terá o mandato encerrado em julho. Hélio Angotti poderia entrar nessa vaga.

Com a interpelação judicial, a Univisa quer, então, provar que as acusações de Bolsonaro são infundadas?

Interpelamos o presidente judicialmente e sabemos que ele não vai apresentar informações, ele não tem dados sobre as acusações que fez. Outra coisa: se ele tivesse esses dados, estaria prevaricando, por saber de alguma irregularidade e não passar adiante.