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Chico Alves

REPORTAGEM

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Atuação de militares em cargos civis no governo federal sobe 193%

17.mai.2018 - Cadetes marcham para o rancho na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende (RJ) - Marcelo Justo/UOL
17.mai.2018 - Cadetes marcham para o rancho na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende (RJ) Imagem: Marcelo Justo/UOL

Colunista do UOL

31/05/2022 09h47

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Nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria de Flávia de Holanda Schmidt, divulgada ontem, informa que de 2013 a 2021 a ocupação de cargos e funções comissionadas no governo federal por militares aumentou 59%. Nesse período, a presença de pessoas oriundas das Forças Armadas em cargos e funções civis cresceu 193%. O maior aumento proporcional foi observado entre 2018 e 2019.

Além disso, ressalta a pesquisadora, a composição dos cargos ocupados se alterou, com destaque para os níveis 5 e 6, "de mais alto poder decisório, que passaram a ter percentuais mais significativos no conjunto de cargos ocupados a partir de 2019".

No caso dos cargos de Natureza Especial, diz a pesquisa, os percentuais de militares no total de postos são bastante mais relevantes, saindo de 6,3% em 2013 para quase 16% em 2021. Entre 2013 e 2018 acontece um movimento de desconcentração de cargos, com menos egressos da caserna na área "Governo" em detrimento das demais,"especialmente nas áreas Econômica, Social e de Infraestrutura". Flávia Schmidt, que é Técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, ressalta que essa tendência é reforçada a partir de 2019, com magnitude expressiva na área de Meio Ambiente.

Os dados indicam que 1.969 militares inativos foram contratados em 2020 por tempo determinado para atuarem no INSS. Outro grupo representativo identificado é o de 1.249 militares que ocupam cargos civis como profissionais de saúde, seguidos dos 179 militares que atuam como docentes. A soma destes três grupos representa 55,2% dos 6.157 militares identificados pelo Tribunal de Contas da União.

O levantamento conclui que o Exército foi a Força de origem da maior parte dos ocupantes dos cargos, tendo havido uma perda de participação da Força Aérea Brasileira. No caso da Marinha houve estabilidade em torno de 20%. Outro fato que chamou atenção foi a perda de importância relativa dos oficiais generais nas indicações, já que o grupo que se mostrou mais representativo foi o dos oficiais superiores (coronel, tenente-coronel e major). Além disso, tanto os oficiais intermediários ou subalternos quanto os praças também tiveram aumento moderado de participação no governo.

Pesquisador da importância das Forças Armadas na vida brasileira, o antropólogo Guilherme Lemos, da Universidade Federal de São Carlos, acredita que a substituição de militares por civis em cargos da administração pública apresenta forte relação com o espaço dedicado aos chamados "paisanos" no imaginário militar, quase sempre os identificando como ética e moralmente inferiores ao mundo fardado.

Esse movimento representa, segundo Lemos, risco de adoção de soluções autoritárias. "Não por acaso, quando militares assumem de vez a gestão do Executivo uma das primeiras medidas é justamente implantar uma democracia militarizada, que além de ser contraditória em si mesma acaba por lastrear as soluções para o Brasil a um imaginário centralizador e por vezes autoritário, próprio das instituições militares", observou ele à coluna.