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Chico Alves

REPORTAGEM

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Pesquisador: 7 de setembro pode selar afastamento de militares de Bolsonaro

Cavalo dos Dragões da Independência se assusta durante o cortejo do presidente Jair Messias Bolsonaro - Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo
Cavalo dos Dragões da Independência se assusta durante o cortejo do presidente Jair Messias Bolsonaro Imagem: Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

19/08/2022 04h04

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A polêmica em torno do local do desfile de 7 de Setembro no Rio deveria ter sido encerrada na quarta-feira (17), quando o prefeito Eduardo Paes avisou que não haverá parada no Centro e nem em Copacabana. Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou a intenção de levar a exibição militar para a orla, no mesmo local onde está prevista manifestação bolsonarista, surgiu o temor de que a proximidade passasse a ideia de que as tropas estariam apoiando as pautas antidemocráticas que esses grupos costumam defender. O cancelamento do desfile resolveria o problema.

No mesmo comunicado, porém, Paes informou que no Dia da Independência haverá um "ato militar" na Avenida Atlântica, além de exibição da esquadrilha da fumaça e de navios da marinha.

Afinal, Bolsonaro conseguiu o que queria? Ou as Forças Armadas conseguiram escapar da armadilha da politização?

O antropólogo Guilherme Lemos, da Universidade Federal de São Carlos, pesquisador do papel das Forças Armadas no Brasil, sustenta que não há nada de imprevisto no que vai acontecer em Copacabana. Embora Lemos acredite que os militares usem Bolsonaro como espécie de "homem-bomba" para alcançar seus objetivos, também interpreta que os integrantes das Forças Armadas não querem ser associados a movimentos ostensivos de cunho antidemocrático.

Por isso, o pesquisador avalia que há chance de o 7 de Setembro de Copacabana representar uma ruptura. "Então vejo também muito como uma oportunidade para que as Forças Armadas, seja a instituição ou os militares que compõem o atual governo, criem uma situação em que fique inviável o apoio deles a Jair Bolsonaro", disse Lemos, em entrevista à coluna.

UOL - Qual interpretação que você faz dessa mudança de planos no Rio, que não vai ter o tradicional desfile de 7 de Setembro no Centro, mas terá um "ato militar" em Copacabana?

Guilherme Lemos - Estão falando muito de uma mudança de local de forma inesperada. No entanto, quem pesquisa Forças Armadas e os militares sabe muito bem que um aspecto da cultura da caserna é que eles não fazem nada de forma não prevista. Têm uma grande capacidade de estruturar suas ações e cerimônias a partir de uma grande previsibilidade.

Então eu vejo um processo de desinformação por meio da mídia. Muito provavelmente, a cúpula das Forças Armadas já sabia que haveria essa alteração, mas isso é utilizado para dar uma imagem de que tudo é feito de forma inesperada, a partir de exigências do capitão presidente Jair Bolsonaro e que os comandos de área e as Forças Armadas ficam reféns dessas imprevisibilidades.

A informação que corre é que o Alto Comando tentou demover Bolsonaro de fazer o desfile do Dia da Independência em Copacabana. Acredita nessa versão?

Não. Porque se nós analisarmos o governo Bolsonaro e as manifestações até aqui, em grande medida essas manifestações de 7 de Setembro, o próprio 31 de março, foram utilizadas como forma de aparentar afastamentos das Forças Armadas em relação ao governo, numa retórica de que os militares nada têm a ver com a estruturação desse governo, quando nós sabemos que há uma participação ativa, sobretudo do Exército Brasileiro a partir de 2014, pela candidatura política de Jair Bolsonaro.

Então, evento como, por exemplo, aquele sobrevoo que o ministro da Defesa, o general de Exército Fernando Azevedo e Silva, fez sobre atos antidemocráticos em 2020, também posteriormente foi utilizado pra dizer que o general era contrário a participar desse ato. Isso foi utilizado como um dos elementos que levaram à sua saída 2021.

Posteriormente, o outro evento marcante, o desfile de tanques em agosto de 2021, também foi utilizado para que muitos militares fossem à mídia falar que as Forças Armadas são desprestigiadas pelo capitão presidente, que elas são contrárias a esse tipo de envolvimento, quando na realidade nós vemos envolvimento muito próximo de uma estruturação política do atual governo pelas próprias Forças Armadas.

Então há um processo de utilizar essas cerimônias como forma de aparentar um afastamento das Forças Armadas em relação ao governo, emular uma contrariedade em relação a esses eventos, quando na verdade a gente sabe muito bem que as Forças Armadas entraram até o pescoço na eleição de Jair Bolsonaro e militarizaram o Estado brasileiro desde 2019, com a eleição do mesmo capitão.

Qual o significado desse "ato militar" previsto para o 7 de Setembro em Copacabana?

Interessante que mesmo essas informações em relação ao desfile do esquadrão de demonstração aéreo sejam utilizadas como uma forma de dizer que as Forças Armadas não estão sabendo de nada e que tudo parte do capitão presidente e de sua vontade de fazer palanque para os seus seguidores.

Além disso, há um outro elemento observado pelo coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, que atentou para uma repetição de datas, já que 5 de julho de 1922 foi a data dos 18 de Copacabana. Completa cem anos justamente quando vemos esse processo que vai estar envolvendo essa ideia de politização das Forças Armadas, com os militares estando no seio do debate político brasileiro e na boca da imprensa.

É visível essa politização indevida que temos assistido nos últimos anos no cenário brasileiro. Ainda que possamos não ter um número relevante de militares na cerimônia, as associações entre o militarismo e o atual governo são inegáveis

Com base nos eventos que nós vimos até aqui, pode-se esperar ameaças contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Justiça Eleitoral e etc.. Então vejo também muito como uma oportunidade para que as Forças Armadas, seja a instituição ou os militares que compõem o atual governo, criem uma situação em que fique inviável o apoio deles a Jair Bolsonaro. Algo que resulte na saída do governo.

Então, o evento de 7 de Setembro pode se transformar em pretexto para as Forças Armadas se afastarem de Bolsonaro?

Se necessário, podem usar esse evento para que os militares que estão na gestão Bolsonaro sinalizem à tropa, às Forças Armadas enquanto instituição, que estão abandonando esse governo e redirecionando a tropa para um outro cenário para 2023. Pode ser utilizado como um evento de desembarque do governo ou para passar a mensagem de que estão muito contrariados com essas manifestações contra o STF, contra o Congresso, quando na verdade são eles que estão no centro desses processos desde 2019.