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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para a família Bolsonaro, liberdade de expressão só vale para fake news

Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro - Reprodução de vídeo
Jair Bolsonaro e Flávio Bolsonaro Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

23/09/2022 13h15

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Desde que, há quatro anos, começou a onda de fake news na política brasileira, o presidente Jair Bolsonaro (PL), seus filhos e apoiadores passaram a usar um discurso único para defender os meliantes que propagam notícias falsas nas redes sociais. Para os bolsonaristas, vale espalhar lorotas, destruir reputações, ofender inocentes, inventar "kit gay" ou propagar que vacina contra a covid causa Aids: tudo em nome do que chamam de "liberdade de expressão".

Já o jornalismo profissional, baseado em cuidadosas checagens, numerosas entrevistas, documentos oficiais e gestos feitos à vista de todos, tem sido duramente atacado por Bolsonaro e seus asseclas. A cada matéria incômoda para o governo, uma saraivada de xingamentos é disparada. Infelizmente, essa situação anômala foi incorporada à rotina da imprensa brasileira.

Agora, porém, o clã Bolsonaro foi mais longe.

Flávio, o filho 01, chutou o falso discurso de defesa da liberdade de expressão. Foi à Justiça pedir censura às reportagens de Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, publicadas no UOL, que mostraram a estranha forma como integrantes da família presidencial adquiriram alguns dos 107 imóveis que formam seu patrimônio. Como mostra a matéria, ao menos 51 deles foram pagos total ou parcialmente com dinheiro vivo.

A gigantesca repercussão das matérias incomodou o presidente, que está em campanha pela reeleição.

Para quem realmente defende a liberdade de expressão, seria fácil reverter o estrago na imagem: bastaria ao presidente e seus parentes mais próximos abrirem os dados das transações, mostrar documentos. Em vez disso, Bolsonaro e seu clã preferiram atacar as matérias, os jornalistas e o veículo que as publicou.

Essa reação culminou com o pedido de Flávio para que o Judiciário aplicasse censura, baseado em falsas informações.

Na notícia-crime, o advogado do filho 01 argumenta que as reportagens atribuíram origem ilícita ao dinheiro em espécie usado nas compras dos imóveis. Na verdade, foi o Ministério Público do Rio que ofereceu denúncia à Justiça com essa acusação. O fato de as provas terem sido anuladas não desmentem os fatos que levaram o MP a essa conclusão.

Outra alegação é que os jornalistas deveriam manter o sigilo sobre as informações do processo. Em várias decisões anteriores se formou a jurisprudência de que a obrigação do sigilo é devida pelo Judiciário e não pela imprensa.

Apesar da fragilidade dos argumentos, o desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, deferiu liminar para retirar as matérias do UOL e das redes sociais.

Em bom português, o que acontece nesse caso é censura.

Desesperados, os Bolsonaros atacam a liberdade de informação, que durante tanto tempo fingiram defender.

O UOL vai recorrer da decisão e espera-se que a normalidade seja restabelecida, com a volta das matérias ao ar.

Apesar de mostrar a fragilidade de nossas instituições, o episódio também teve para a família presidencial um saldo indesejado.

Além de reavivar o interesse pelas informações contidas nas reportagens, o presidente e seus apoiadores não poderão mais sustentar o discurso de que são heróis da democracia.

Para a família Bolsonaro, liberdade de expressão só vale mesmo para quem produz fake news.