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Chico Alves

REPORTAGEM

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Minha opinião é que se deve proibir posse de fuzil e metralhadora, diz Dino

Governador do Maranhão, Flavio Dino - Divulgação
Governador do Maranhão, Flavio Dino Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

17/11/2022 11h08

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Na equipe de transição da área de segurança pública, anunciada ontem, um nome está bastante cotado para comandar o Ministério da Justiça do novo governo. Apesar de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ter dito que a participação nos grupos não garante vaga no Planalto, o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) é apontado nos bastidores como favorito à pasta.

Ele diz que não recebeu sinalização, convite ou sondagem, mas o assunto do grupo de transição em que foi inserido, segurança pública, faz parte da sua vida. "Sou professor de Direito Penal na Universidade Federal do Maranhão, fui juiz criminal, então esse tema não é um acidente, mas uma continuidade", disse Flávio Dino à coluna. "Se o Lula resolver convidar (para o Ministério da Justiça) muito bem. Se não, vai servir para o mandato no Senado".

O ex-governador do Maranhão diz que alguns dos aspectos a serem tratados sobre segurança são desarmamento e crimes digitais, a pedido do próprio Lula. Quanto aos CACs (sigla de colecionador, atirador desportivo e caçador), o senador eleito sugere recadastramento para que se enquadrem ao novo modelo de regulação de armas. Isso para o caso de donos de peças leves.

No caso de quem tem armamento pesado, a solução seria outra: "Para o cara que comprou fuzil, metralhadora, a minha opinião é que se deve proibir e pronto".

Ele tem outras sugestões a dar, como colocar entre as preocupações principais os crimes contra o Estado Democrático de Direito e a segurança da Amazônia.

"Lula vai na COP e diz 'Vai ter desmatamento zero'. Para isso, tem que ter comando e controle", afirma Flávio Dino.

UOL - Na sua visão, quais pontos principais o grupo de transição de segurança pública deve abordar?

Flávio Dino - Primeiro, eu acho que a equipe foi bem constituída e tem pluralidade. Isso vai ajudar. Vamos fazer a primeira reunião na semana que vem, quando vamos discutir a metodologia. Mas é certo que alguns temas estão na pauta prioritária, porque são demandas vindas do próprio presidente Lula. Por exemplo, arma e desarmamento. Esse é um tema, digamos, "master", porque o presidente eleito tem falado e enfatizado.

Outro tema que ele tem mencionado é a questão dos crimes digitais - internet, crime de ódio, etcetera. E eu vou propor outros assuntos, como, por exemplo, o foco em Amazônia e fronteiras, por conta obviamente da articulação disso com o centro da estratégia da política externa brasileira. Recompor comando e controle na Amazônia é um objetivo para muito além de estritamente segurança pública.

Eu vou propor um debate sobre governança federativa da segurança. É preciso organizar melhor a colaboração entre União, estados e municípios. Aí temos dois instrumentos que precisam efetivamente sair do papel: um se chama SUSP, que é o Sistema Único de Segurança Pública, e o outro é o Fundo Nacional de Segurança Pública.

Também vou sugerir que se trate dessa questão dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, porque nós estamos diante de uma situação concreta que a gente não sabe por quanto tempo vai se alongar. Há grupos financiando tentativas do cometimento desse tipo de crime, a gente precisa debater isso sem dúvida alguma.

O Código Penal contém um capítulo sobre crimes contra o Estado Democrático de Direito. E os crimes políticos, segundo a Constituição, são federais. Logo, é preciso debater como a Polícia Federal vai atuar, a partir de 1º de janeiro, em relação ao assunto.

Esses são alguns exemplos.

No caso da repressão ao crime na Amazônia, como enfrentar esse problema depois que o banditismo cresceu tanto nos quatro anos de permissividade do governo Bolsonaro?

Em primeiro lugar, devemos usar o que temos. No governo Bolsonaro, a resposta foi a Garantia da Lei e da Ordem ambiental (operação empreendida pelo Exército por tempo limitado). Foi assim, por exemplo, para enfrentar a queimada quando está muito grande.

Essa, obviamente, não é uma resposta séria. Você pode até fazer GLO ambiental, mas isso é recurso extremo. O que precisa é presença.

Nós temos Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Fora do Ministério da Justiça, tem as Forças Armadas. Tem que organizar isso melhor. Ainda para reforçar a presença do Estado temos o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Tem a Força Nacional. E tem os estados, que devem ser chamados.

A desculpa do Exército quando recebe críticas por não conseguir coibir ações ilegais na Amazônia é a extensão da área.

É um território difícil, de fato. Mas acho que deve estar entre as cinco prioridades, porque diz respeito ao papel do Brasil no mundo. O que distingue hoje o Brasil de uma plantation (produção agrícola nos moldes coloniais) é a Amazônia, porque a gente não vai ter nesse momento uma reindustrialização acelerada no país. Então, temas como novas energias, serviços ambientais, serviços do ecossistema são estratégicos para o Brasil.

O Lula vai na COP e diz "Vai ter desmatamento zero". Para isso, tem que ter comando e controle. Não só isso:é preciso criar alternativa econômica, incentivo, essas coisas todas. Mas tem a dimensão repressiva. Então, esse é um tema fundamental na gestão governamental sobre segurança pública no Brasil, a Amazônia e as fronteiras. Tem a Amazônia urbana, com características muito parecidas com outros centros. Mas tem a Amazônia verde, com garimpo ilegal, desmatamento ilegal, tráfico? e por aí vai.

Vou fazer uma espécie de catequese dentro do grupo de transição para dar atenção a esse tema, que é fundamental para o Brasil.

Como tratar a questão das armas, já que com o afrouxamento de regras promovido por Bolsonaro houve uma verdadeira inundação de armamentos no Brasil?

A gente tem dois olhares. O primeiro olhar é daqui pra frente, é preciso revogar essa legislação irresponsável editada. Foram decretos, portarias, enfim? Não gosto daquela expressão "revogaço", porque parece uma coisa meio arbitrária. Vamos revogar o que for ilegal, o que for incompatível com o sistema jurídico, seguindo a vontade da maioria do povo, que não quer tantas armas por aí. É o que eu digo sempre: arma não é para quem quer, arma é para quem pode. Tem que acabar com o "liberou geral" daqui para a frente.

Daqui para trás, é importante trabalhar em torno de um conceito: não existe direito adquirido de andar armado. E isso é importante ser fixado. Vamos imaginar que você tome um medicamento especial e amanhã a Anvisa diz que esse medicamento é ilegal. Você não vai à Justiça para dizer que tem direito adquirido porque tomou durante de dez anos. Ou digamos que a prefeitura muda a mão da sua rua, não há direito adquirido de andar na contramão. Não, meu filho, você agora vai andar para o outro lado.

Como tratar os CACs, que se proliferaram muito nos últimos tempos?

Não vamos extinguir os CACs, até porque nem teria operacionalidade. Eu lembro sempre da prova de vida. De tempos em tempos tem um recadastramento em que vai lá o aposentado e diz que está vivo. O caminho parece ser por aí, enrijecer os critérios e fazer recadastramento. Dizer: "Você podia portar 60 armas até ontem, a partir de agora você só pode portar cinco".

Eles vão ter que se adequar a isso. Vamos discutir se é preciso indenizar ou não, em que medida é preciso botar um estímulo econômico, como já foi feito no passado. Vamos discutir no grupo. Quanto aos armamentos mais leves é possível fazer isso.

Agora, para o cara que comprou fuzil, metralhadora, a minha opinião é que se deve proibir e pronto.

E quanto à politização e o aparelhamento das polícias, promovido pelo governo que sai, o que fazer?

É aplicar a bíblia, separar o jogo do trigo. Tem muita gente, muita gente mesmo nas corporações incomodadas com isso. Mas as pessoas estavam mais ou menos silenciadas porque existia a hegemonia de um paradigma, que era esse. Havia quase que um açulamento, uma instigação a essa ideologização. Na hora em que o poder político vai em outra direção, isso já reduz brutalmente de tamanho.

O agravante no caso das polícias é que eles estão armados. O que distingue um policial de um criminoso é a lei. Um está armado a serviço da legalidade e o outro está contra a legalidade. Se há a ideologização, esse policial eventualmente é transformado inclusive no agente de cometimento de crimes.

A dimensão principal é a política e a disciplinar. A política no sentido da liderança, da autoridade. Para quem não se adaptar, que seja aplicada a lei.

Hierarquia e disciplina são valores fundamentais nas corporações armadas do Estado. Ou então as corporações policiais degeneram. É preciso recompor a hierarquia e disciplina, porque virou realmente uma bagunça total, porque virou um vale tudo. Por isso chegamos ao ponto do que vimos no dia da eleição.