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'Soube momentos antes', diz Aline, a catadora que colocou a faixa em Lula
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Quando a catadora Aline Sousa recebeu a ligação do fotógrafo Ricardo Stuckert, que, em nome da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, a convidou para participar da cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela previu que viveria um dia especial. Não imaginava, porém, que seria a pessoa escolhida para colocar a faixa presidencial no petista. Soube no momento de subir a rampa.
"Eu fiquei nervosa, até me enrolei ali na hora de passar a faixa, botar a faixa nele. Mas correu tudo bem, graças a Deus", contou Aline à coluna. "Foi nervosismo puro".
Nessa entrevista, a catadora, de 33 anos, conta a emoção que sentiu, relata as dificuldades que passou no governo de Jair Bolsonaro e diz qual a expectativa quanto ao governo Lula.
Rebate aqueles que usam o fato de que ela representa a terceira geração da família a trabalhar catando materiais recicláveis - sua mãe e sua avó têm o mesmo ofício - para tentarem desmentir o fato de que em seus governos anteriores o PT eliminou a pobreza extrema do país.
Aline, que é estudante de Direito, diz que a argumentação vem da ignorância e garante que atualmente faz esse trabalho por opção. "Preferi trabalhar na catação, eu preferi cuidar do meio ambiente, cuidar da reciclagem, cuidar da cidadania, da dignidade dos catadores, buscar isso pra eles", conta. Ela é presidente da Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do Distrito Federal.
UOL - Quando você soube que iria entregar a faixa presidencial a Lula?
Aline Sousa - Eu descobri alguns dias antes que estaria na posse, quando recebi o convite para participar do ato, da subida da rampa e da entrega da faixa com outras lideranças representativas. Mas não sabia que eu iria passar a faixa. Eu só soube no mesmo dia da posse, momentos antes. A orientação era que, de todas as lideranças que estavam ali, a última colocada na posição que foi orientada era quem iria passar a faixa. E eu estava na última posição.
Qual a sensação naquele momento?
A sensação foi uma das melhores possíveis, né? Nossa... Muita emoção. Não tinha caído a ficha que que era um ato tão histórico para o país, que eu ia entrar para a história, que ia dar tudo isso. Tentei tratar naturalmente. Mas, claro, na frente do Lula todo mundo fica nervoso.
Eu fiquei nervosa, até me enrolei ali na hora de passar a faixa, botar a faixa nele. Mas correu tudo bem, graças a Deus. Foi nervosismo puro.
No fim, ficou uma sensação de dever cumprido, de que a luta não foi em vão. É uma honra. O Lula é um ser humano muito nobre. E a Janja, que foi quem teve a ideia, ela é digna, uma rainha mesmo, de uma nobreza imensa.
Lula falou algo quando você entregou a faixa?
Não, ele só estava muito emocionado. Acho que ele estava um pouco perdido, que nem eu, eu acho que eu compliquei, confundi ele ali na hora de passar a faixa, ele ficou um pouco perdido também que nem eu.
Eu queria deixar um beijo na testa dele, porque eu venho de uma origem que meu falecido pai ensinou a gente que tem que pedir benção para os mais velhos. Para pai, para a mãe, para avó. E ele dava um beijo sempre na testa da gente pra abençoar.
Então, eu queria, de uma forma bem simbólica, mesmo naquela correria, deixar um beijo na testa do Lula, no sentido de abençoar mais um mandato dele, a gestão dele, da equipe dele, porque vai ser um mandato muito difícil.
Mesmo o povo estando junto, vai ser muito difícil para todos nós conseguirmos reconstruir o Brasil.
Então foi essa tentativa. Acabou que saiu um beijo no rosto, mas ficou bom.
Como define a representatividade dessa cerimônia?
O governo quis transmitir a mensagem para o mundo de que a democracia no Brasil venceu. Ali foi a consagração disso, de que a principal função do governo é servir ao povo e que o povo iria estar junto. A subida simbólica da rampa foi isso: dizer que é um governo do povo, com o povo e para o povo, que vai trabalhar para todos, sem exclusão de ninguém. Tudo ao contrário do que a gente assistiu aí nos últimos anos.
Como avalia o governo Bolsonaro? O que o ex-presidente fez em relação aos catadores?
Sou representante de uma instituição que tem a característica legal de ser apartidária. Então, a gente tem que dialogar com todos os partidos, todas as esferas de governo, desde que a gente consiga ter esse retorno de diálogo, que a gente consiga ser assistido. Não foi uma das características desse antigo governo. A gente não teve momentos de construção junto com os catadores. Foi o inverso.
Logo nos primeiros dias do governo anterior nós tivemos a notícia que a gente foi excluído do de um dos principais conselhos do Brasil para a preservação do meio ambiente, que é o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Os catadores estavam lá, eu estava lá, tinha um assento no Conama. Tiraram a gente dos espaços estratégicos.
Como cidadã, eu posso generalizar e me colocar no lugar de toda mulher, de toda mãe, de toda mulher negra, de toda periférica que sofreu essas agressões, essas covardias que vieram da característica do antigo governo. Não tenho nada de bom para dizer. Infelizmente, foi muita luta, muita resistência, muita resiliência.
Algumas pessoas usaram o fato de que você representa a terceira geração de catadoras de sua família, depois de sua avó e sua mãe, para tentar desmentir que em seus governos anteriores Lula tenha erradicado a pobreza extrema. Como reage a isso?
Existe um poço de ignorância das pessoas que não conhecem a vida das outras. A minha avó e a minha mãe são catadoras e eu também sou catadora porque a gente tem orgulho do que faz. A gente gosta do que faz. Elas muito provavelmente não teriam outra oportunidade, mas eu, sim, poderia optar por outra coisa. Mas preferi trabalhar na catação, eu preferi cuidar do meio ambiente, cuidar da reciclagem, cuidar da cidadania, da dignidade dos catadores, buscar isso pra eles.
Então, foi uma escolha. As pessoas falam: "ah, é a terceira geração e ela ainda é catadora?". Sim, sou catadora. Mas também estou buscando me profissionalizar, ingressei na faculdade de graduação de Direito porque eu quero me formar como advogada pra advogar pra categoria. É um sentimento de pertencimento de toda essa luta.
Elas são catadoras e não é fácil. Elas veem em mim esperança assim como eu vejo em muitas pessoas também que estão ao meu lado, para a gente mudar nossa realidade. Mas a nossa realidade só vai mudar de fato quando a gente erradicar a discriminação, o preconceito, a falta de respeito, a falta de reconhecimento, a falta de conhecimento de muitas pessoas.
Qual a sua expectativa quanto ao governo Lula?
A esperança é de reconstrução, é de tentar resgatar tudo aquilo que foi perdido, que foi engavetado e que são projetos que fortalecem o povo, fortalecem as instituições. Tentar resgatar as políticas públicas que foram todas erroneamente mexidas e alteradas. Então, a gente tem um longo trabalho pela frente.
Nós tivemos um catador na equipe de transição e a gente pautou todas as violações que sofremos durante esses quatro anos. A gente acredita que novos tempos vêm aí e que a gente vai conseguir não só resolver os problemas ambientais, sociais e econômicos dos catadores, como de todas as a as pessoas que foram lesadas de alguma forma pelo antigo governo.
Vamos trabalhar com a esperança para a gente resgatar o Brasil, resgatar a democracia e a união do próprio país. A gente tem que trazer essa questão, reforçar essa questão da tolerância, preservar a vida e não reforçar atos contra a vida.
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