Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Lavajatismo da imprensa abriu caminho para o golpismo bolsonarista
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Seja lá qual for a origem, idade, credo ou gênero dos golpistas que aparecem nos vídeos tresloucados da depredação das sedes do poder em Brasília, todos se unem no mesmo objetivo: querem impedir que Lula continue no posto para o qual foi democraticamente eleito, o de presidente do Brasil. Também os extremistas de redes sociais, que não estiveram no Distrito Federal, querem a mesma coisa.
Por sorte, esses que remam contra a maré da vontade do eleitor, sacramentada nas últimas eleições, são minoria.
Por azar, são numerosos e agressivos demais para serem ignorados - como se viu no ataque de 8 de janeiro.
A origem da aversão patológica dessa gente a Lula e ao PT é facilmente identificável. Como apontou o cientista social Fábio Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, há relação direta entre o golpismo que sacode o cenário político nacional e a Operação Lava Jato.
"A Lava Jato se apoiava juridicamente em teses controvertidas, algumas das quais cruzavam as linhas do que é razoável na interpretação da legislação", disse o acadêmico, em entrevista ao jornalista Uirá Machado, da Folha de São Paulo.
Depois que Sergio Moro, Deltan Dallagnol e sua turma atingem o ápice das barbaridades jurídicas e a operação sofre revezes, há o que o professor identifica como "subida de tom contra os tribunais".
"E, com isso, ela (a equipe da Lava Jato) acelera e fomenta uma indisposição de parte da sociedade contra os poderes instituídos", diz Sá e Silva.
O diagnóstico é acertado. Mas faltou destacar um fator sem o qual Moro e Dallagnol não conseguiriam consumar estrago institucional tão grande: foi a imprensa que fez a Lava Jato chegar onde chegou.
Serviu de alto-falante para a voz desafinada de Moro e para a oratória afetada de Dallagnol.
As formas até então conhecidas de antipetismo ficaram para trás, dando lugar a essa modalidade mais asséptica de demonização dos petistas, travestida de guerra contra a corrupção. Por anos seguidos, o consumidor de notícias foi exposto à louvação acrítica de Moro por parte de jornalistas que até hoje não pediram desculpas por isso.
Lacrações de todos os tipos foram usadas contra o PT por muitos que, por dever de ofício, deveriam questionar também o juiz parcial e seus asseclas do Ministério Público.
Grampos ilegais, colaboração entre magistrado e acusação, uso abusivo das delações premiadas, ilações irresponsáveis que se transformavam em sentença - nada disso foi questionado à altura pela imprensa brasileira.
Quando o absurdo bateu no teto e as revelações das mensagens da Vaza Jato, publicadas pelo site Intercept Brasil, vieram a público, não restou ao Supremo Tribunal Federal outra saída senão anular as sentenças de Moro e apontá-lo como juiz incompetente e suspeito. Juridicamente, o vento virou completamente.
Na cabeça de boa parte da população, no entanto, aquele conceito demoníaco construído pela imprensa durante anos de cobertura da Lava Jato (com direito a imagem de dutos de petróleo de onde jorravam dinheiro) ficou intacto. Ao inocentar Lula, o Judiciário, que já não gozava de grande popularidade, tornou-se também alvo do lavajatismo.
Foi esse imaginário que Jair Bolsonaro manejou para chegar à Presidência da República e para fermentar o radicalismo que há quatro anos viceja no Brasil.
Daí para os terroristas que invadiram as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário foi um pulo.
A gravidade dos fatos recentes deveria inspirar toda a imprensa, tão implacável em exigir de outros a revisão de seus atos, a refletir sobre as práticas dos últimos anos, sem lacrações ou piadas de salão.
Durante o trágico mandato de Bolsonaro, o jornalismo cumpriu brilhantemente o seu papel, seja na guerra ao negacionismo durante a pandemia, seja em revelações de maracutaias que o bolsonarismo jurou que não faria, como o orçamento secreto, passando pela compra de dezenas de imóveis por parte da família presidencial com dinheiro vivo.
Muito da semeadura do golpismo, porém, também deve ser creditada a nós (o colunista nunca foi entusiasta da Lava Jato, mas reconhece que poderia ter sido ainda mais enfático nas críticas aos métodos da República de Curitiba).
Todo o jornalista gosta de se enxergar como democrata, mas a verdade é que nem só de Jovem Pan foi produzido o fanatismo da extrema-direita que agora nos atordoa.
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