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Chico Alves

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Garimpo em terra yanomami causou prejuízo social de R$ 3 bi, diz entidade

Garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, em 2020 - Chico Batata - 2020/Greenpeace
Garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, em 2020 Imagem: Chico Batata - 2020/Greenpeace

Colunista do UOL

09/02/2023 04h00

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O estrago causado pelo garimpo ilegal na terra yanomami, em Roraima, é muito maior do que se pode perceber nas imagens aéreas que mostram gigantescas crateras escavadas onde deveria haver densa mata amazônica. A contaminação por mercúrio promovida pelos garimpeiros atinge em cheio os indígenas, mas também será sentida na capital do estado, Boa Vista.

Além do prejuízo incomensurável das mortes e da devastação ambiental que essa atividade ilegal provoca, é grande o custo social. Para traduzir a tragédia em gasto de dinheiro público, Pedro Gasparinetti, economista e Diretor Executivo do CSF (Conservation Strategic Found ou Fundo de Conservação Estratégica), leva em conta o gasto com tratamento de doenças pelo SUS e a perda de qualidade de vida e produtividade decorrentes de problemas neuropsicológicos e cardíacos.

"Ao todo, projetamos que o prejuízo social gerado pelo garimpo nesses últimos quatro anos na TI Yanomami chegue a R$ 3 bilhões", estimou ele à coluna.

O cálculo é feito na Calculadora de Impactos de Garimpo Ilegal de Ouro, uma ferramenta online desenvolvida pelo CSF que vem sendo utilizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal para estimar os valores de indenizações cobradas aos réus acusados de praticar garimpo ilegal.

Nessa entrevista, Gasparinetti, explica também que alguns dos prejuízos causados pelo garimpo são irreversíveis e outros, como a contaminação da população pelo mercúrio derramado nos rios, pode levar até um século para cessar.

Ele torna evidente a responsabilidade do governo de Jair Bolsonaro nessa destruição: "Desta área onde o garimpo acontece, 3827 ha foram abertos nos últimos 4 anos, 75% do total".

UOL - Qual a extensão do estrago do garimpo ilegal nas terras yanomamis em Roraima?

Pedro Gasparinetti - O território do povo yanomami é a maior Terra Indígena (TI) do país, com cerca de 9,6 milhões de hectares, uma extensão que vai do estado de Roraima ao Amazonas. Atualmente, estima-se que existam cerca de 20 mil garimpeiros atuando ilegalmente na região - só para você ter uma base de comparação, esse território abriga 30 mil indígenas, pouco mais do que o quantitativo de garimpeiros que invadiram a TI.

Essa situação tem se agravado desde o ano de 2018, quando a área ocupada pelo garimpo ilegal de ouro dentro da TI yanomami cresceu de forma alarmante, tendo atingido 5053 hectares em 20221. Desta área onde o garimpo acontece, 3827 ha foram abertos nos últimos 4 anos, 75% do total.

Essa atividade garimpeira é responsável pelos diversos impactos sociais, ambientais e econômicos que temos assistido nos noticiários nos últimos dias. Esses danos estão relacionados principalmente ao desmatamento, ao assoreamento de rios e à contaminação por mercúrio, um elemento tóxico que gera problemas neuropsicológicos e cardíacos na população que consome os peixes retirados dos rios contaminados e também nos próprios garimpeiros, que aspiram a substância.

Para medir o tamanho desses impactos em termos monetários, a Conservação Estratégica desenvolveu a Calculadora de Impactos de Garimpo Ilegal de Ouro, uma ferramenta online que vem sendo utilizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal para estimar os valores de indenizações que devem ser pagos por reús de processos de combate ao garimpo ilegal (http://calculadora.conservation-strategy.org).

O que essa ferramenta ajudou a revelar?

Com a Calculadora, descobrimos que o desmatamento desses 3817 ha de floresta para realização do garimpo pode resultar, ainda, no desmatamento de uma área até doze vezes maior do que aquela originalmente desmatada, pois a atividade demanda que sejam abertas também áreas de acampamento, pistas de pouso, estradas, etc.

Além do valor de restauração dessas áreas desmatadas, existe um custo relacionado à perda dos benefícios que a floresta traz para a sociedade, como a regulação hídrica e o sequestro de carbono. Somados, esses custos chegam a R$ 188 milhões. Já o assoreamento dos rios, que prejudica o acesso à água potável de comunidades que vivem às suas margens, gera um prejuízo de R$ 830 milhões.

Mas o uso do mercúrio é, ainda, o mais grave dos três impactos do garimpo avaliados por nós. Estimamos que cerca 244 kg de mercúrio devem chegar aos pratos de quem se alimenta de peixes na região nos próximos anos, dado que o mercúrio pode permanecer no ambiente em sua forma tóxica por pelo menos 50 anos.

Pedro Gasparinetti, economista e Diretor Executivo da CSF - Divulgação - Divulgação
Pedro Gasparinetti, economista e Diretor Executivo da CSF
Imagem: Divulgação

Como traduzir essa depredação ambiental em custo social?

Considerando que espécies de peixes amazônicos podem migrar mais de 400 km, chegamos à conclusão de que não só os yanomamis, mas a população de Boa Vista também será impactada. Os problemas de saúde causados pelo mercúrio derramado durante a última gestão do governo federal devem custar ao povo brasileiro pelo menos R$ 2 bilhões, considerando custos de tratamento de doenças pelo SUS e a perda de qualidade de vida e produtividade decorrentes de problemas neuropsicológicos e cardíacos causados pela ingestão desse elemento tóxico.

Ao todo, projetamos que o prejuízo social gerado pelo garimpo nesses últimos quatro anos na TI yanomami chegue a R$ 3 bilhões. Estimamos que foram extraídos 6.584 quilos de ouro de forma ilegal nesse período, que a valores atuais valem cerca de R$ 1.9 bilhão, embolsados ilegalmente por grandes empresários. A conclusão é clara: os custos a serem pagos por toda sociedade são muito maiores do que o lucro privado de poucos pela extração do ouro.

Além do prejuízo que conseguimos apurar com nossa calculadora, há ainda outros custos que são resultado da política irresponsável do governo anterior. A falta de serviços essenciais, como assistência médica preventiva e controle de enfermidades, somada à degradação do meio ambiente desencadeou danos indiretos, como o surto de malária na TI (foram 40 mil casos em 2021), o que culminou na desestabilização dos meios de produção desse povo, causando desnutrição e mortes evitáveis da população yanomami, que ainda não foram contabilizados por nossa pesquisa.

Quanto tempo o meio ambiente vai levar para se regenerar, se é que vai?

As áreas impactadas são de difícil recuperação, e alguns dos impactos são irreversíveis. A floresta, mesmo depois de 30 anos de investimentos em processo de recuperação, não volta a ter o mesmo nível de biodiversidade original. O mercúrio derramado nos rios deve continuar contaminando a população do estado por pelo menos mais 50 anos, podendo chegar até a 100 anos.

O que é a CSF?

A Conservação Estratégica (CSF) é uma organização internacional que atua há mais de 20 anos junto a governos, financiadores, produtores, ambientalistas e outros atores locais na promoção de soluções econômicas que favoreçam a conservação ambiental.

Presente em mais de 40 países, a CSF fornece assessoria estratégica por meio de análises econômicas e capacitação profissional, além da comunicação de resultados e recomendações. Os programas de treinamento já alcançaram mais de 3.200 tomadores de decisão ao longo dos anos, influenciando investimentos em sustentabilidade da ordem de US$ 21 bilhões, possibilitando a conservação de mais de 200 mil km² de ambientes naturais em todo o mundo.