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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A noite em que a Câmara provou que não representa o Brasil

Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) - Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) Imagem: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Chico Alves

Colunista do UOL

31/05/2023 09h22

Uma ideia cultivada durante décadas no Brasil interpretava as bancadas de deputados e senadores que chegam a Brasília a cada legislatura como a representação média da sociedade brasileira. Na votação feita na noite de ontem, no estilo de tratoraço que caracteriza o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os deputados provaram que essa tese é furada.

Ao aprovar o marco temporal, a Casa mostrou que quem manda ali são os latifundiários, os desmatadores e os assassinos de indígenas.

Essa distorção já era sentida havia alguns anos no Congresso, mas se agravou no mandato anterior, por conta do advento do orçamento secreto. Com esses muitos bilhões em emendas para turbinar suas campanhas, os fisiológicos antigos se juntaram aos fisiológicos da nova legislatura. Acrescente-se a estes os reacionários ideológicos, que se multiplicaram nos últimos tempos, e temos no Parlamento - na Câmara em especial - uma caricatura piorada do que é o país.

É verdade que em 2023 a Casa recebeu deputadas trans, ganhou mais políticos negros e negras e outros representantes da parcela menos favorecida e segregada da sociedade. Mas em percentual muito inferior ao existente na vida brasileira. A distorção na representação social é flagrante.

A julgar pelo placar da votação de ontem - 283 votos a favor e 155 contra o marco temporal —, o Brasil seria um país povoado de fazendeiros e empresários predadores. A realidade não é essa — o dinheiro e o poder político decorrente dele é que multiplicam seus votos a cada pauta que considerem importante.

Dessa anomalia resultou um Congresso avesso aos temas que podem fazer o país avançar. Pelo contrário: a guerra declarada ontem pelo Centrão, com Arthur Lira à frente, é em prol do passado.

A brisa fresca que o Brasil soprou para o mundo quando Lula subiu a rampa com representações de indígenas, mulheres negras, catadores de lixo, pessoas especiais e outros excluídos da sociedade tem sido respondida com um tufão reacionário.

Não há dúvida que a articulação do Executivo para conseguir base de governabilidade no Congresso tem sido péssima e que o próprio Lula prova a cada dia que não interpretou devidamente o quadro hostil à sua frente.

Mas diante de deputados tão vorazes e descomprometidos com o destino dos brasileiros, é difícil imaginar qual argumento republicano poderia fazer com que mudassem de atitude.

Lira e sua tropa não aceitam nada menos que a capitulação - assim como já tinham feito com Jair Bolsonaro.

Não é apenas tarefa do governo, mas de todos os democratas protestar contra esse arremedo de representação parlamentar.

À exceção de alguns deputados abnegados que diariamente enfrentam a selvageria no plenário e na tribuna, a Câmara provou ontem que está contra o Brasil.

Resta saber de que lado ficarão os senadores.

Que tenham consciência de sua responsabilidade histórica.