Topo

Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Paralisação de servidores é o raio-x de um governo em vias de derrota

7.dez.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (PL), durante evento no Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters
7.dez.2021 - O presidente Jair Bolsonaro (PL), durante evento no Palácio do Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

19/01/2022 18h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

* Warley Alves Gomes

O texto presente parte de um pressuposto ambíguo, porém consistente: o governo de Jair Bolsonaro acabou e não acabou, ao mesmo tempo. Não se pode dizer que respira por aparelhos, pois ainda pode fazer muito estrago. Inclusive, essa é uma tendência, na medida em que nosso governante, que já se mostrou um irresponsável de primeira ordem, perceber que sua derrota nas próximas eleições vem se tornando cada vez mais provável.

Ao longo do ano eleitoral, é possível que Bolsonaro tome medidas cada vez mais descabidas, à medida que sua situação se complique. Nesse princípio de ano, o governo já se encontra em um bico de sinuca: não é possível ser reeleito se não tiver apoio suficiente e não é possível ter apoio sem quebrar algumas (ou várias) promessas de campanha.

A mais imediata delas concerne à austeridade fiscal. Ao contrário do que foi defendido pelo presidente e por Paulo Guedes, gastos suntuosos já foram destinados a programas duvidosos, de caráter claramente eleitoreiro, como é o caso do Auxílio Brasil, um substituto meia boca e volátil do extinto Bolsa Família.

No entanto, o pepino agora plantado nos jardins do presidente é a provável greve dos servidores federais, que passaram a reivindicar aumento salarial desde dezembro, quando o governo sinalizou um reajuste exclusivo para os policiais federais, reservando 1,7 bilhão do Orçamento de 2022 para a classe, e deixando de lado as outras categorias profissionais.

Se a princípio o governo minimizou as manifestações da última terça-feira (18), em um futuro próximo o descontento dos servidores pode se transformar em uma verdadeira pedra no sapato do presidente.

E, o que talvez seja ainda mais fundamental de ser compreendido, tal situação pode ser uma verdadeira metonímia para os desafios que o governo terá de enfrentar nesse ano que promete ser conturbado, porque o que esse caso sintomaticamente revela é a necessidade de tomar determinadas decisões: dada a complicada situação do governo, ou Bolsonaro se radicaliza e passa a agradar cada vez mais seu eleitorado, ou ele amplia o leque, e passa a atender distintos setores sociais e profissionais.

As questões são: o que pode caber nesse guarda-chuva? O que Bolsonaro ganha e o que perde ao tomar um desses caminhos e abandonar o outro? Se o Auxílio Brasil representa a tentativa de acenar para um público mais amplo, indo além de seu eleitorado fiel, o mesmo não pode ser feito, ao menos não com a mesma facilidade, em relação aos servidores federais.

Se o presidente atende exclusivamente os policiais federais, uma paralisação tende a se tornar inevitável, e uma greve de servidores federais, ampla, em ano eleitoral, durante um mandato que se mostrou desastroso — para não dizer cruel, insensível e vexatório — pode ser um forte agravante em uma situação que parece exigir o melhor equilibrista na mais fina corda-bamba. E equilíbrio, sabemos bem, não é o forte de Jair Bolsonaro.

Por outro lado, se o presidente atender às demandas dos servidores, precisará repensar os gastos públicos e isso demandará energia, capacidade de negociação, possíveis cortes em outros serviços essenciais e, possivelmente, provocará um desgaste maior junto a sua própria equipe econômica e a parte do setor empresarial que o apoiou nas eleições de 2018.

Não sou um defensor de políticas de austeridade, mas tampouco penso que se deva gastar sem um mínimo de responsabilidade fiscal, mas o que a situação de Bolsonaro nos indica é que a política no mundo real é muito diferente de idealizações esquemáticas.

Todos sabemos que governar é fazer escolhas e, infelizmente, estas não são feitas apenas levando em conta os interesses do bem-estar público. O governante deve medir os pesos na sua balança e conciliar a permanência de seu governo com o atendimento do maior número de pessoas possível, sem causar uma ruptura econômica drástica. Caso contrário, mais cedo ou mais tarde, perderá seu poder.

Bolsonaro começou seu mandato apoiando reformas econômicas e fiscais drásticas e agora, frente ao desespero de perder a reeleição, busca fazer concessões à população.

Essa me parece ser uma situação inevitável a qualquer político que se imagine "neoliberal" —, ainda que o pensamento da elite brasileira seja essencialmente mais oligarca que liberal —, mas nas mãos de alguém sem o mínimo de competência, como é o caso de Bolsonaro, o desastre é iminente. Como disse antes, o governo parece respirar por aparelhos artificiais e as pessoas — tanto parte da elite política quanto a própria população — demonstram apenas esperar para que ele acabe.

A questão é: qual o tamanho da destruição que Jair Bolsonaro ainda é capaz de provocar até o final do ano? Até então, esse foi o único quesito no qual o presidente superou todas as expectativas. Para a maioria, o seu governo, com efeito, acabou; enquanto agente destrutivo, entretanto, permanece faminto. É aí que reside essa ambiguidade, aparentemente contraditória.

* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente leciona no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais - Campus Avançado Arcos. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.