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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Arthur do Val é o 'cidadão de bem' que elegeu Bolsonaro

O deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP) - Reprodução/Youtube/mamaefalei
O deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP) Imagem: Reprodução/Youtube/mamaefalei

Colunista do UOL

05/03/2022 19h18

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* Cesar Calejon

Entre 2013, a partir das Jornadas de Junho, e 2018, uma boa parte da população brasileira, sobretudo, mas não exclusivamente, homens, brancos, heterossexuais e pertencentes às camadas socioeconômicas mais abastadas, bradaram o "fim da corrupção" e foram às ruas vestidos com as camisetas da seleção brasileira de futebol a fim de "moralizar o Brasil".

Autointitulados "cidadãos de bem", essas pessoas, a despeito de todas as suas falhas éticas e morais, sentiram-se aptas a oferecer lições de caráter aos "políticos corruptos" do país. Em ampla medida, tamanha hipocrisia resultou na ascensão do bolsonarismo e, nesse contexto, apesar de atualmente se posicionar contra o presidente da República, Arthur do Val é o exemplo perfeito do "cidadão de bem" que elegeu Jair Bolsonaro.

Conhecido como Mamãe Falei, o deputado estadual por São Paulo ganhou algum destaque na política institucional atacando o ex-presidente Lula, com a pauta do "combate à corrupção", e figuras como o padre Júlio Lancellotti, a quem chamou de "cafetão da miséria".

Liberal que vive do salário que lhe é pago pelo Estado, Arthur do Val é o sintoma mais evidente de uma sociedade doentia, que faz tudo para lacrar nas redes sociais — como postar uma foto dizendo que está fazendo coquetéis molotov na Ucrânia — e age de forma absolutamente sem escrúpulo quando ninguém está olhando — ponderar verbalmente o possível assédio a mulheres em situação de vulnerabilidade por conta da guerra e da pobreza.

De muitas maneiras, isso acontece em virtude da falta de compreensão de como as políticas social e institucional estão intrinsecamente correlacionadas. Para os meus propósitos neste artigo, a política social é caracterizada por toda e qualquer prática adotada por um membro de determinada sociedade junto à coletividade que lhe constitui. Ou seja, a forma como os cidadãos se comportam e agem perante as suas respectivas sociedades no âmbito social.

Parar na faixa para o pedestre atravessar ou avançar com o carro, jogar o lixo no chão das ruas, sonegar impostos, usar o acostamento quando o trânsito trava as estradas, burlar licitações públicas, oferecer ou aceitar subornos de todas as ordens, superfaturar contratos, puxar o tapete de um colega de profissão para ser promovido, evitar cumprimentar o porteiro ou um vizinho quando o encontra no elevador, maltratar os funcionários subalternos, humilhar as pessoas vulneráveis, aproveitar-se da pobreza das mulheres para assediá-las e assim por diante. Qualquer ação tomada no âmbito público é, necessariamente, uma medida de política social.

Política institucional, por outro lado, é a prática da atividade parlamentar que é exercida, sob o modelo da democracia liberal, pelos candidatos que são eleitos pelo povo e estão, portanto, aptos à representação. É a política partidária exercida pelo presidente da República, ministros, senadores, governadores, prefeitos, deputados (federais, estaduais e municipais) e pessoas que ocupam cargos técnicos comissionados, teoricamente, a serviço do povo.

Ambas estão correlacionadas em um processo contínuo e dialético de efeito e reciprocidade. Ou seja, o que acontece na política social reflete a política institucional e vice-versa. Frequentemente, contudo, os brasileiros ignoram essa relação entre as políticas social e institucional. Cria-se a ilusão de que os políticos são "corruptos por natureza" e pressupõe-se que a classe parlamentar seria distinta do restante honesto da população.

Tal raciocínio leva ao sentimento de antissistema, ou seja, a força social de rejeição generalizada à política institucional, manifestada, geralmente, por meio de frases e raciocínios como "políticos são todos safados", "políticos são todos iguais", "político nenhum presta", "eu não gosto de política" etc.

A ausência da compreensão entre como as políticas social e institucional estão, intrínseca e irremediavelmente, correlacionadas e o consequente sentimento de antissistema que se forma a partir dessa fragilidade conceitual foram responsáveis pela própria ascensão do bolsonarismo no Brasil em 2018: o governo mais deletério à vida social em toda a história do país.

Entre 2015 e 2018, principalmente, milhões de "Mamães Falei" — ou seja, todos os tipos de empresários corruptos, cônjuges que enganam os seus pares, motoristas que furam os sinais de trânsito, cidadãos que sonegam os seus impostos etc. — foram às ruas demandar o "fim da corrupção" dos políticos, como se a dimensão da atividade parlamentar não tivesse nenhuma relação com as suas próprias falhas éticas e morais.

Em 2022, o povo brasileiro deve entender melhor essa relação entre as políticas social e institucional a fim de evitar a reeleição de figuras hipócritas de todas as ordens, alinhadas ou não com o próprio bolsonarismo.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).