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Com Braga Netto, Bolsonaro escolhe vice de olho na caserna e em golpe

26/05/2022 - Braga Netto participa de evento com Jair Bolsonaro - Clauber Cleber Caetano/PR
26/05/2022 - Braga Netto participa de evento com Jair Bolsonaro Imagem: Clauber Cleber Caetano/PR

Colunista do UOL

27/06/2022 16h05

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* Vinícius Rodrigues Vieira

A escolha do ex-ministro da Defesa, o general da reserva Walter Braga Netto, para a vaga de vice na chapa de Jair Bolsonaro sugere que o presidente quer reter o apoio dos militares a todo custo num eventual segundo mandato. As intenções aparentam ser as piores possíveis. Ao indicar um vice sem ouvir o Centrão — que corrompe a democracia, mas, contraditoriamente, existe por causa dela e ajuda a mantê-la sobrevivendo por aparelhos —, o presidente mostra que quer se manter no poder à base da força.

Bolsonaro não apenas mantém a imagem de radical, como pensa o Centrão: ele é o radicalismo em pessoa e deveria ser detido antes que sangue brasileiro seja derramado por armas empunhadas por compatriotas. Ademais, a preferência por um egresso da caserna indica que, em sua campanha para reeleição, o atual ocupante do Planalto dá como garantido a apoio dos evangélicos, grupo que, na média, foi essencial para a vitória em 2018.

Uma coisa é cooptar os pastores, inclusive com o uso de verbas do Ministério da Educação. Outra é contar com o apoio do rebanho todo. Pesquisas indicam que os fiéis de Cristo não são gado. Lula já se aproxima de Bolsonaro nesse segmento religioso, com 35% contra 40% segundo a última pesquisa do Datafolha. Se o PT é um braço do comunismo que procura nos escravizar, como sugere publicação da Igreja Universal, as ovelhas desgarradas são suficientes para tirar os pastores do paraíso das verbas públicas a partir de 2023.

Então por que Bolsonaro olhou para a caserna para buscar seu vice em vez de priorizar as igrejas senão para satisfazer intenções golpistas? A ex-ministra dos Direitos Humanos e pastora evangélica Damares Alves, que poderia melhorar a performance de Bolsonaro junto ao segmento religioso e às mulheres, corre o risco de sequer se candidatar ao Senado.

Misoginia? Certamente, ainda mais porque o presidente também dispensou outra política de verniz conservador, a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, com excelente trânsito no agronegócio. Talvez mais que os evangélicos, esse segmento está fechadíssimo com a campanha de reeleição, haja vista a popularidade de Bolsonaro no Sul e no Centro-Oeste.

Embora sob os governos petistas tenha expandido sua presença em mercados internacionais, o agro vê Lula de modo mais diabólico que os pastores evangélicos. Fazendeiros e afins estão com os bolsos cheios — o bolso caro afeta apenas a parte do rebanho que, por viver em situação de insegurança alimentar, não se pode dar ao luxo de continuar a ser ou virar gado.

Achando que o "pix" de fazendeiros e pastores já lhe assegura cerca de um terço dos votos, Bolsonaro, portanto, procura para sua chapa alguém que mantenha o sonho de um golpe unindo militares federais e PMs estaduais. Forças Armadas e bolsonarismo parecem estar em simbiose irreversível, ainda mais depois do endosso do Ministério da Defesa aos ataques do presidente ao sistema de votação.

Portanto, mais do que encampar um projeto de poder dos militares — como afirmado nesta coluna —, a Bolsonaro lhe interessa ter um vice oriundo da caserna para manter a carta do golpe na manga. Nesse sentido, pastores e oficiais são gêmeos separados no nascimento: ambos veem em Lula a encarnação do mal na terra cuja morte política compensa o sacrifício da democracia no altar do autoritarismo patrimonialista.

Na pior das hipóteses, caso Braga Netto não unifique a caserna — ainda há democratas de verdade que vestem farda —, o muito provável candidato a vice servirá como uma espécie de seguro contra eventuais ações intempestivas da Justiça Eleitoral. Em caso de vitória, o vice não ficará à margem do golpismo do titular, tal como ocorreu com o general que, atualmente, cumpre o papel de se ajoelhar ao capitão. Hamilton Mourão demonstrou-se desconfortável com aventuras golpistas, como o 7 de Setembro de 2021.

Bolsonaro, assim, pode contar desde já com um parceiro para as inevitáveis tentativas de solapar a democracia que virão até 2026 caso assegure um segundo mandato. Em caso de derrota, ter um militar de patente superior a seu lado indica disposição em mobilizar tropas para melar a eleição — algo que seria muito mais difícil com uma vice mulher, fosse ela oriunda do agronegócio ou dos evangélicos.

Os primeiros sabem que, caso o Brasil passe por uma ruptura democrática, o Ocidente lhes fechará as estreitas portas pelas quais nossos produtos agropecuários adentram mercados desenvolvidos, em particular o europeu. Os últimos se beneficiam mais de uma ordem democrática que de um regime fechado, o qual seria inevitavelmente dominado por militares.

Todo cuidado é pouco com quem tem a ficha corrida contra a democracia, ainda mais em tempos de terremoto geopolítico. Basta lembrar que os militares aconselharam Bolsonaro a ficar do lado de Putin na Guerra da Ucrânia. Vislumbraram nisso a satisfação do interesse nacional ou apenas um exemplo de autoritarismo a ser seguido? A sucessão de efemérides que nos aguarda até o fim deste ano dará a resposta.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.