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OPINIÃO

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Pastores provocam 'efeito Teflon' em Bolsonaro

28.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante debate presidencial  - Miguel Schincariol/AFP
28.ago.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante debate presidencial Imagem: Miguel Schincariol/AFP

Colunista do UOL

02/09/2022 09h11

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Vanilda é nordestina, evangélica, mora na periferia da Grande São Paulo, não completou o ensino médio e vota em Bolsonaro. Os pastores orientam-na a assistir apenas a emissora cujo dono é o líder-mor de sua igreja — isso quando em períodos longos de penitência rotulada como jejum não a proíbem de ver a telinha.

Vanilda segue com fé cega essas palavras, talvez porque seu irmão se curou do alcoolismo após entrar no reino onde Jesus Cristo é o senhor, mas quem manda é o pastor. O problema não está no Salvador, porém em quem cobra o pedágio político-financeiro para acessá-lo e nele se manter.

Parte do pedágio implica hoje em votar 22 em 2 de outubro, ignorando as mortes na pandemia, as rachadinhas, os imóveis comprados de modo suspeito, o deboche nada cristão da dor alheia, a fome dos irmãos de fé.

Eu poderia persuadir Vanilda a abandonar o dito cujo se ela soubesse que dois mais dois — quatro — é o número que, na simbologia chinesa, representa a morte. Bobagem! Para ela, maldição é o comunismo de Pequim, ainda que a China sustente nosso agronegócio e, assim, o equilíbrio das contas externas brasileiras, permitindo mais um voo de galinha da economia antes das eleições.

Vanilda não viu o debate da Band no último domingo, tampouco sabe quem é Vera Magalhães, jornalista humilhada por Bolsonaro no confronto entre presidenciáveis. Ao se casar, Vanilda ouviu do pastor uma referência do Velho Testamento que prega a submissão da mulher ao marido.

Vanilda poderia ser apenas mais uma entrevistada do Datafolha. No entanto, representa parte significativa do eleitorado que adere ao presidente sob ordem de pastores — os mais novos intermediários do poder. São os coronéis de almas que moldam o Brasil como um país de desalmados, apoiando pretensos machos armados e imbrocháveis.

Numa metáfora tosca, Bolsonaro já teria brochado nestas eleições se não fossem os vendilhões do templo da democracia. "É a nossa vez!", devem pensar os guardadores de rebanhos, ao vislumbrarem cargos e isenção de impostos, além de um STF terrivelmente evangélico nos próximos quatro anos.

Para ainda ficar no imaginário perturbado do atual mandatário, os pastores são uma espécie de Viagra do bolsonarismo, de olho nas benesses do Estado, o Teflon que impede que denúncias de corrupção e misoginia colem em Bolsonaro.

Vanilda será decisiva na eleição. O problema não é ser evangélica, mas estar sob o cabresto dos que, em nome de Deus, desfiguram César — a esfera pública que se torna privatizada. Ao erodir o barro de César, desfiguram o Deus irrepresentável em imagens.

Se outros já saquearam o Brasil desde sua criação sob a égide do colonialismo e desfiguraram Deus desde que Ele criou o mundo, por que os pastores iriam se autocontrolar? Vanilda não sabe, mas se tornou obreira do maior empreendimento do diabo no mundo político: o patrimonialismo.

Pensando bem, a privatização do espaço público é obra terrena, fruto de mãos que do pó vieram, mas que se cobrem de anéis de ouro para, em vão, disfarçar a lama que sequer lhes enrubesce — afinal, vermelho é coisa de comunista.

Não precisamos de anjos na política, mas tolerar os ladrões de alma parece ser suicídio para crentes e não crentes. Como mostrar a Vanilda e aos demais de seu rebanho tudo isso, sem que sejamos elitistas e arrogantes? Nunca uma resposta valeu tanto quanto o futuro de uma nação.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.