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OPINIÃO

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Eleição do bicentenário vira plebiscito sobre o caráter nacional

Presidente Jair Bolsonaro durante comemoração do 7 de Setembro em Brasília - 7.set.2022 - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Presidente Jair Bolsonaro durante comemoração do 7 de Setembro em Brasília Imagem: 7.set.2022 - Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

07/09/2022 10h49

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Vinícius Rodrigues Vieira*

Na metáfora representada por Macunaíma, Mário de Andrade definiu o Brasil como um povo sem caráter. Não que sejamos canalhas — longe disso. Apenas não teríamos um traço que nos distinguiria no mundo em relação as demais nações.

Passados quase cem anos da publicação da obra-prima de um dos líderes do modernismo brasileiro, iniciamos o terceiro século como pais politicamente soberano ainda presos a embates sobre nossa nacionalidade. Somos ocidentais ou pós-coloniais? Somos cristãos ou inevitavelmente permeados pelo sincretismo religioso? Devemos nos adaptar a um multiculturalismo de raízes anglo-saxãs ou retomar nossos sonhos luso-tropicais que se tornaram pesadelo para negros e indígenas após nosso bicentenário?

As eleições de outubro têm potencial para definir não apenas a sobrevida da democracia no Brasil, mas também o país dos próximos 100 anos. O Bolsonarismo parece ser o último respiro do país que fomos entre a independência e o centenário de 1922: oligárquico, agrário, sem a devida separação entre igreja e Estado, inseguro sobre sua identidade nacional, que negava as contribuições não-europeias, sobretudo as africanas, para nossa formação.

Os últimos 100 anos foram formidáveis se considerarmos uma perspectiva de longa duração. O tenentismo nos legou a tradição de intervenções militares, mas sem ele as oligarquias não teriam ido para a periferia do sistema político. Tampouco teríamos expandido o sufrágio para as mulheres, culminando em 1988 no direito de voto para os analfabetos. Passamos a figurar entre as dez maiores economias do mundo, sem, no entanto, enfrentar a desigualdade parida sobretudo na gênese colonial fundamentada no binômio latifúndio-escravidão.

Para o próximo centenário, que sigamos entre as maiores economias do planeta, adaptando-nos às demandas por sustentabilidade e preservando a integridade territorial. Que finalmente eliminemos as desigualdades extremas de classe e raça sem desprezarmos o sincretismo. Conquistemos nosso lugar ao mundo, sem, porém, sacrificar os pobres da casa.

O caráter nacional será, portanto, moldado pelo equilíbrio e temperança — o que não quer dizer celebrar um pacto com o inominável negacionismo das luzes da razão e do secularismo. Se temos caráter, ele não pode virar ruína antes de concluída a construção.

Não precisamos de Messias, nem de falsos profetas. Somos os antropófagos que, ao deglutir diversas culturas, moldamos uma civilização. Somos, conforme escreveu Gonzaguinha em "Redescobrir", imortalizada na voz de Elis Regina, o menino povo.

Para crescermos, tantas outras dores virão. Não podemos apertar 22 nas urnas e, assim, voltar a 1822 ou 1922. Miremos, portanto, nestas eleições, 2122. Deixemos de ser o país do futuro para que o moldemos no presente. Agora.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.