Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Espiral de violência é preocupante e remete às escolhas do país desde 2013
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* Raphael Tsavkko Garcia
Marcelo de Arruda estava celebrando seu 50º aniversário em uma festa temática pró-PT quando Jorge José da Rocha Guaranho passou em frente ao local, saiu e começou a provocar os presentes. Após uma breve discussão, Guaranho voltou para seu carro, pegou uma arma e atirou em Arruda enquanto gritava a favor do presidente Jair Bolsonaro. Arruda ainda seria capaz de ripostar e ferir Guaranho antes que ele pudesse atirar em mais pessoas. Ambos os homens são oficiais da lei.
Em 7 de setembro, Rafael Silva de Oliveira, de 24 anos, assassinou um colega de trabalho com 15 facadas e ainda tentou decapitá-lo. Oliveira é apoiador de Bolsonaro, sua vítima, Benedito Cardoso dos Santos, de 42 anos, era apoiador do PT.
Estes são apenas dois dos vários episódios de violência que estão começando a se espalhar pelo país em meio à campanha eleitoral. Dias antes do assassinato de Arruda, uma bomba caseira contendo fezes foi detonada no meio de um comício do candidato do PT, Lula. Ninguém foi ferido e o autor foi preso. Em junho, um drone jogou fezes, urina e pesticida sobre apoiadores do ex-presidente antes de uma reunião entre Lula e o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil.
Menos de uma semana após o assassinato de Arruda, um ato político do candidato a governador do Rio de Janeiro apoiado por Lula, Marcelo Freixo, foi interrompido pelos partidários de Bolsonaro. O deputado estadual Rodrigo Amorim e alguns capangas, carregando armas, fizeram ameaças aos presentes e rasgaram bandeiras em apoio a Freixo.
Estes são alguns dos exemplos da violência perpetrada pelos partidários do presidente Jair Bolsonaro nos últimos meses, série esta que se iniciou, lá em 2018, com o simbólico assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê em um bar, com 12 facadas, por um bolsonarista.
A violência crescente reflete a campanha de ódio promovida por Bolsonaro e seus apoiadores on-line e off-line, em discursos do presidente que procuram não só despertar a raiva e incitar a violência, mas ameaçar, repetidamente, um golpe de Estado caso perca a eleição.
Seus apoiadores são responsáveis pela criação de uma vasta rede de sites de notícias falsas, assim como perfis em redes sociais e canais em aplicativos como o WhatsApp e o Telegram, o que levou a Suprema Corte a abrir uma investigação oficial sobre tal rede, levando alguns dos responsáveis à prisão ou à fuga do país. Através desta ampla rede, o presidente é capaz de espalhar seu discurso de ódio e o resultado pode ser visto nas ruas e nos atos de violência cometidos contra opositores.
Para tornar-se alvo, nem é preciso carregar as bandeiras do maior partido de oposição. No dia 5 de junho, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram na região de Javari, na floresta amazônica, e seus corpos seriam encontrados alguns dias depois. A área é disputada por tribos indígenas locais, madeireiros, mineiros ilegais, pescadores ilegais e o crime organizado.
Phillips e Pereira tinham recebido ameaças por tentarem proteger a floresta e ajudar as comunidades indígenas, enquanto aqueles que as ameaçam têm o total apoio do presidente Bolsonaro, que, uma vez eleito, tem feito tudo o que pode para reduzir a proteção da floresta e incentivar destruição adicional, inclusive através do apoio a atividades ilegais.
Pereira foi exonerado de seu posto de chefe dos indígenas isolados há algum tempo, por ordem de Bolsonaro e sob a conivência de seu então ministro da Justiça, Sergio Moro. Desde que o bolsonarismo chegou ao Planalto, a região tem sido cada vez mais explorada e destruída.
Campo progressista também flertou com táticas de intimidação
Ao contrário do que se poderia esperar, no entanto, o clima tenso não é inteiramente de responsabilidade do campo pró-Bolsonaro — por mais que haja uma clara assimetria. Do lado dos apoiadores do ex-presidente e novamente candidato Lula, notícias falsas também movem suas redes sociais. Campanhas sujas contra adversários políticos e intimidação nas mídias são uma marca registrada dos partidários do PT.
É importante lembrar que, antes do bolsonarismo ter sua rede de sites espalhando fake news, de ter militantes em redes sociais espalhando desinformação, intimidando opositores e etc, o PT já havia criado uma robusta rede de sites, MAVs (Militantes em Ambiente Virtual), blogs progressistas etc. cujos métodos inspiraram o bolsonarismo. Os anos de campanha com o uso de blogs, sites pseudo-jornalísticos e militância online constrangendo e intimidando qualquer oposição e mesmo apoiadores críticos custou caro ao PT — e ao país.
Se é verdade que o perigo representado pelo bolsonarismo é insuperável, cabe reforçar que suas táticas e métodos não são puramente originais ou meramente importadas da extrema direita internacional. As campanhas sujas online, e seus efeitos na vida real, foram inauguradas pelo petismo e intensificadas por Bolsonaro.
Embora o Brasil seja, notavelmente, um país violento e os crimes de cunho político tenham aumentado — 23% entre 2020 e 2022 — por outro lado, a violência política geralmente atinge políticos e apoiadores envolvidos em disputas locais.
A novidade desta eleição é o caráter "nacional" da violência que começa a crescer quando o presidente Bolsonaro ameaça um golpe de Estado, com a conivência das Forças Armadas. Vale lembrar que o presidente já reuniu grupos de caráter fascista acampados em frente à Suprema Corte e, sempre que possível, ataca o processo eleitoral.
Sim, o futuro é preocupante. É possível que o país entre numa espiral de violência após as eleições ou que Bolsonaro se recuse a deixar o cargo e a usar as Forças Armadas para realizar seu trabalho sujo. O presidente é, evidentemente, o maior responsável, mas não teríamos chegado até aqui não fosse a corrosão do tecido social brasileiro, processo em cunho desde 2013 e que foi impulsionado pela repressão e erros em série cometidos pelo campo petista.
* Raphael Tsavkko Garcia é jornalista e doutor em direitos humanos pela Universidade de Deusto. Contribuiu para veículos como Foreign Policy, Undark, The Washington Post, Deutsche Welle, entre outros.
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