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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Engolida pelo bolsonarismo, direita liberal recorre a Lula para sobreviver

11.set.2022 | Simone Tebet em ato de campanha na avenida Paulista, em São Paulo - Yuri Murakami/TheNews2/Folhapress
11.set.2022 | Simone Tebet em ato de campanha na avenida Paulista, em São Paulo Imagem: Yuri Murakami/TheNews2/Folhapress

Colunista do UOL

04/10/2022 01h46

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* Carla Teixeira

A segunda-feira foi de ressaca nos mais variados espaços da esquerda. A torcida para que as eleições terminassem no primeiro turno gerou enorme frustração entre aqueles que desconsideraram as pesquisas eleitorais e os precedentes dos pleitos na Nova República.

Desde 1989, apenas duas eleições terminaram no primeiro turno, em 1994 e 1998, ambas com vitória de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O campo popular nunca venceu na primeira volta. Os 57 milhões de votos conquistados por Lula neste domingo constituem um resultado extraordinário, bastante acima dos 46 milhões que conquistou no primeiro turno de 2006, quando estava no governo e disputava a reeleição.

Vale lembrar que as pesquisas eleitorais são um diagnóstico, não um prognóstico do resultado que sai das urnas. O Datafolha do dia 1º de outubro indicava Lula com 50% das intenções, Bolsonaro com 36%, Tebet com 6% e Ciro Gomes com 5%. Já a pesquisa Ipec (antigo IBOPE) apontou Lula com 51% das intenções de votos, Bolsonaro com 37%, Ciro e Tebet empatados com 5% cada.

Ambas as pesquisas têm margem de erro que conta 2 pontos para mais ou para menos. Assim, fica evidente que o resultado de Lula no primeiro turno, que somou 48,43% dos votos válidos, está dentro da margem de erro apontada pelo Datafolha e meio ponto abaixo do número dado pelo Ipec. A grande surpresa foi a força apresentada pelo bolsonarismo.

As eleições para o Legislativo deram vitória para o Senado a Sergio Moro (União Brasil), no Paraná, Tereza Cristina (PP), no Mato Grosso do Sul e Hamilton Mourão (Republicanos), no Rio Grande do Sul, além de Deltan Dallagnol (Podemos) deputado federal pelo Paraná, Rosângela Moro (União Brasil) por São Paulo e a votação recorde do bolsonarista Nikolas Ferreira (PL), em Minas Gerais.

Só há uma conclusão possível: o bolsonarismo cresceu e, neste momento, sua força política já ultrapassa a do presidente Jair Bolsonaro. O lavajatismo, por sua vez, encontrou sobrevida no eleitorado conservador que vai da direita à extrema direita e se mantém fiel ao atual presidente.

O avanço de candidatos bolsonaristas ajuda a explicar a adesão a um voto útil em Bolsonaro para evitar a vitória urdida de Lula ainda no primeiro turno. Os 5% de votos em Simone Tebet, os 3% em Ciro Gomes, e os 0,5% em Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe D'Ávila (Novo) mostram que parte do seu eleitorado migrou para Bolsonaro, numa espécie de adiantamento do voto do segundo para o primeiro turno. Os 43% de votos no atual presidente na primeira volta surpreendem, mas estão muito abaixo do desempenho de seus antecessores.

Essa é a primeira vez na história da Nova República em que o ocupante da presidência chega em segundo lugar na disputa pela reeleição. O orçamento secreto, a votação da PEC que permitiu a implementação do Auxílio Brasil às vésperas da eleição e outras medidas que explodiram as contas públicas tiveram seus efeitos (seria surpreendente se não tivessem), mas não o suficiente para garantir a dianteira a Bolsonaro.

À esquerda, há muitos motivos para comemoração. A eleição no primeiro turno de governadores petistas no Ceará, no Rio Grande do Norte e no Piauí se somam à força da votação dada pelos estados nordestinos a Lula, o que lhe garantiu a ampla margem de vantagem sobre Bolsonaro no cenário nacional.

Apesar da vitória de Bolsonaro na região sul, o segundo turno no estado bolsonarista de Santa Catarina tem um petista na disputa pelo governo. Em São Paulo, a despeito das pesquisas mostrarem Haddad à frente de Tarcísio de Freitas (Republicanos), elas também apontavam uma alta rejeição e a dificuldade de crescimento do candidato petista ao Palácio dos Bandeirantes, já amplamente conhecido pelo eleitor por ter sido prefeito da capital e candidato presidencial em 2018.

Assim, o feito do PT em São Paulo foi ter desbancado o PSDB do segundo turno e recuperado uma votação que há duas eleições o partido não conquistava em terras paulistas. O crescimento do bolsonarista Tarcísio de Freitas veio acompanhado do derretimento do neotucano Rodrigo Garcia que pode ou não negociar com Haddad um apoio em segundo turno. No Rio Grande do Sul, a disputa na segunda volta entre Eduardo Leite (PSDB) e o bolsonarista Onix Lorenzoni (PL) pode facilitar uma aliança entre tucanos e petistas, usando a mão gaúcha para lavar a paulista e vice-versa. A ver.

A vitória do bolsonarista Cláudio Castro sobre Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, demonstra a dificuldade da esquerda em capitalizar votos da classe trabalhadora e das classes médias que vivem nos grandes centros urbanos. Distanciado de Bolsonaro, Cláudio Castro tornou-se maior que seu criador, conquistando a reeleição no primeiro turno.

Situação semelhante ocorreu em Minas Gerais. Na semana que antecedeu as eleições foram vistos pelas ruas da capital cartazes e bandeiras que pediam o voto Lula-Zema, o que ajuda a compreender a aparente contradição entre a vitória de Lula em Minas e a reeleição em primeiro turno do atual governador bolsonarista do Partido Novo. Para o segundo turno, Zema prometeu apoio à reeleição do atual presidente, a conferir o quanto utilizará seu capital político em favor de Bolsonaro.

A partir do exposto, é possível concluir que o lavajatismo é uma força política importante no Brasil, e que se soma ao bolsonarismo para contar com mais de 40% do eleitorado. O apoio da direita tradicional ao golpe de 2016 levou ao completo derretimento dos partidos tradicionais e ao avanço do bolsonarismo na hegemonia que vai da direita à extrema direita.

O bloco do grande capital, que tinha representantes no PSDB e MDB, foi derrotado nestas eleições. Os inexpressivos 5% de votos obtidos por Simone Tebet mostram que a única saída para esses grupos é apoiar Lula para evitar a completa desintegração do seu campo político, seguindo o exemplo de Geraldo Alckmin e todo o (ex)tucanato nacional.

Ao que tudo indica, a fila para o ritual de beija-mão de Lula tende a aumentar ao longo deste mês, que será um verdadeiro "outubro ou nada" para a democracia brasileira.

* Carla Teixeira é doutoranda em História na UFMG