Topo

Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso reeleito, Bolsonaro estará a um passo da sua sonhada autocracia

Colunista do UOL

07/10/2022 18h17

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

César Calejon*

Com o resultado das eleições de 2 de outubro, o parlamento brasileiro inclinou-se significativamente à extrema-direita. Apesar do crescimento que também foi verificado pela esquerda, o bolsonarismo engoliu uma imensa parcela do que até então era compreendida como a direita liberal brasileira.

Com vantagem numérica no Senado e na Câmara, Bolsonaro, durante o seu eventual segundo mandato, tentará reorganizar a composição do STF para obter a maioria dos magistrados também na Corte Constitucional do país, que vem se interpondo à sanha autocrática do bolsonarismo.

Neste sentido, caso seja reeleito, o atual presidente estará a um passo de estabelecer a sua sonhada autocracia, cujos sinais já podem ser percebidos de forma mais evidente, com base no crescimento exponencial do nacionalismo cristão e dos discursos de intolerância (racial, religiosa, intelectual etc.) que vem sendo verificados no Brasil ao longo dos últimos anos.

Diferentes países do mundo registram processos similares no começo do século 21, mas a Hungria é, seguramente, o exemplo mais gráfico do rumo que o Brasil seguirá em caso de vitória do bolsonarismo no segundo turno do pleito presidencial.

Uma reestruturação significativa do poder Judiciário acontecerá, principalmente considerando uma recomposição do STF em direção a uma espécie de "autocracia eleitoral", a exemplo do que ocorreu no país europeu.

Bolsonaro sequer faz questão de esconder esse fato. Ele deverá mudar a composição do Supremo (Tribunal Federal), indicando novos ministros por meio de uma emenda constitucional, e poderá ter, com certa facilidade, os três quintos dos votos necessários para emendar a Constituição.

Hoje, ele tem dois ministros no STF. Outros dois serão nomeados no ano que vem. Seriam quatro em um total de onze. Caso ele consiga aumentar de onze para quinze ministros a composição da Corte e indique outros quatro, ele terá uma maioria de oito ministros bolsonaristas contra sete no STF.

Além disso, os atuais ministros bolsonaristas no STF já demonstram o nível de submissão que se espera dos magistrados por parte do bolsonarismo. São capachos do governo e estão na Corte para conduzir o projeto reacionário e autoritário do bolsonarismo, exatamente como fez Viktor Orban.

Contudo, no nosso caso, existe um componente que agrava ainda mais o cenário brasileiro: a carestia gerada pelo modelo neoliberal agudiza a adesão à teologia da prosperidade, que é o cerne das propostas neopentecostais avançadas junto à população brasileira.

Assim, o neoliberalismo, a carestia e a teologia da prosperidade, interagindo de forma dialética, formam o mecanismo de um círculo vicioso que vem conduzindo o país rumo à formação de uma espécie de teocracia evangélica miliciana. Ou seja, o neoliberalismo, ao agravar a situação da imensa maioria da população nacional, a exemplo do que aconteceu com a reforma da previdência, trabalhista etc. após o golpe de 2016, gera uma situação de carestia e ausência estatal, principalmente no que diz respeito a serviços elementares (educação, saúde, alimentação e infraestrutura civil) nas comunidades mais empobrecidas da nação.

Essa carestia - e o vácuo do estado nos locais mais vulneráveis do país - geram uma adesão proporcionalmente crescente à teologia da prosperidade e às propostas neopentecostais, que se baseiam nas pautas morais amplamente utilizadas pelo bolsonarismo.

Dos cinco deputados mais votados do país no último dia 2, quatro são bolsonaristas e o PL elegeu as maiores bancadas na Câmara e no Senado. Todos esses candidatos se elegeram com base nas pautas morais acerca da "família", "Deus", "valores cristãos" e assim por diante.

Quanto maior é a carestia organizada pelo neoliberalismo, maior é a adesão da população a tais ideias e às igrejas que as avançam. Por sua vez, essas igrejas passam a arregimentar seguidores e estimulam a multiplicação das novas células com táticas de guerrilha.

Com base nesse cenário, a disputa pela Presidência da República entre Lula e Bolsonaro, para muito além de definir o próximo chefe do Executivo nacional, definirá a identidade do Brasil como nação ao longo dos próximos anos.

*Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).