Topo

Cristina Tardáguila

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Luta contra 'fake news' em 2022 requer mais do que simples anúncios

Celular, smartphone, fake news, whatsapp - Getty Images/iStockphoto
Celular, smartphone, fake news, whatsapp Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

03/02/2022 06h00Atualizada em 03/02/2022 10h03

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Lutar - de verdade - contra a desinformação precisa ser bem mais do que fazer uma série de anúncios e espalhar comunicados oficiais. É urgente que as plataformas de redes sociais, os sistemas de busca e os aplicativos de mensagem que atuam no Brasil entendam que, além da tecnologia, é preciso oferecer um plano de ação claro, em português, com datas e objetivos bem definidos, além de escalar um time de humanos (de preferência brasileiros) para colocar a mão na massa. Mas três eventos recentes indicam que ainda estamos (bem) longe disso. Cresce o número de anúncios que vem das big techs e que sequer param de pé.

Comecemos pelo Twitter. Na última segunda-feira (31), a Lupa publicou na Folha de S.Paulo um farto levantamento mostrando que a ferramenta de denúncia de conteúdos falsos liberada pela plataforma para uso no Brasil no dia 17 de janeiro tem performance para lá de pífia.

Por duas semanas, os checadores usaram o novo sistema e denunciaram ao Twitter um total de 198 publicações inegavelmente falsas - material que já havia passado pelo crivo dos fact-checkers e que havia sido considerado enganoso segundo dados oficiais e as mais respeitadas fontes científicas. Mas nenhum desses 198 tuítes recebeu marcação de "falso" ou foi removido da plataforma em decorrência do novo botão de denúncia.

A ação do Twitter sobre esse material só se deu depois que a Lupa entrou em contato direto com a plataforma e lhe encaminhou - por meios bem mais tradicionais - a planilha com a qual seus checadores haviam trabalhado. Só depois de receber essa lista, o Twitter se mexeu: 76 dos 198 tuítes foram marcados como falsos ou removidos (sim, 122 continuam lá).

O segundo anúncio que pareceu bem estranho aos olhos de quem está no front da luta contra as "fake news" foi o feito pelo WhatsApp e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no último dia 27.

O lançamento de um canal de denúncias que permitirá ao usuário do WhatsApp indicar à empresa contas que possam estar fazendo disparos em massa foi recebido com pompa e circunstância - inclusive pela imprensa.

Mas o sistema - veja só - existe desde 2020, e seus resultados foram amplamente comemorados pelo tribunal e pelo aplicativo de mensagens em publicações como esta daqui. Veja um trecho do texto disponível no site do TSE:

"No período eleitoral de 27 de setembro a 29 de novembro [de 2020], a plataforma de denúncias para contas suspeitas de disparos de mensagens em massa recebeu 5.180 registros, sendo 199 denúncias descartadas por não estarem relacionadas às eleições, de acordo com os relatos enviados pelos denunciantes. Após esse primeiro filtro, o TSE enviou 4.981 denúncias para o WhatsApp, para verificação de possíveis violações dos Termos de Serviço do aplicativo".

Seria, portanto, um relançamento desse canal, certo? Um aprimoramento de sistemas ou mesmo sua popularização. Não é uma novidade do porte das que o país precisa para evitar que aconteça neste ano o que vimos acontecer em 2018, confere?

O terceiro exemplo de anúncios questionáveis vem do Google. Em outubro do ano passado, a plataforma disse que, "a partir de novembro [de 2021]", somente contas verificadas poderiam veicular propaganda política no site de buscas e que a empresa produziria "relatórios de transparência de anúncios políticos com os nomes dos anunciantes e a quantia gasta em cada conteúdo". Repetiria, portanto, o que ocorre em países como Estados Unidos, Austrália e Israel.

Mas, adivinha? A medida prevista para novembro ainda não entrou em vigor - e não há (publicamente) uma nova data para que isso aconteça. A página mantida pelo Google com todos os anúncios políticos que acolhe ainda não contém uma aba - nem uma bandeirinha - do Brasil. Estão lá Austrália, Reino Unido (e União Europeia), Índia, Israel, Nova Zelândia, Taiwan e Estados Unidos.

Precisamos de mais, né?

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa