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Democracia e Diplomacia

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Há motivos para esperanças?

Carlos Alberto Franco França, novo ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro - Reprodução TV. Planeta América Latina-13.ago.2020/Youtube
Carlos Alberto Franco França, novo ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro Imagem: Reprodução TV. Planeta América Latina-13.ago.2020/Youtube

Colunista do UOL*

05/04/2021 12h52

A troca de comando na chancelaria tem sido recebida com ceticismo. Se por um lado algumas extravagâncias devem ser abandonadas, por outro lado a família Bolsonaro seguirá dando as cartas, o que é preocupante. O bolsonarismo tem causado graves danos em praticamente todas as áreas do governo. Há esperanças, contudo, de que a nova chefia do Itamaraty conduza trabalho pragmático, longe das redes sociais, para restabelecer condições mínimas de racionalidade na defesa dos interesses nacionais. Parece também um bom momento para, neste espaço, revisitarmos em que pé andam as conversas do Renascença.

Setembro de 2020. Em meio à devastação da "revolução cultural" bolsonarista, uma diversidade de jovens servidores apresentou ao país diagnóstico e propostas para reconstrução da política externa brasileira. Iniciativa inédita em dois séculos de diplomacia brasileira. Inovadora também ao contemplar mudanças que ampliem a representatividade e a republicanização do ministério.

O "Programa Renascença - construção coletiva de política externa humanista, democrática e laica, baseada na Constituição Federal" reúne propostas para reconstrução da diplomacia nacional distribuídas em dez objetivos gerais e cem metas específicas. Um programa utópico e experimental em alguns pontos, pragmático em outros. Comprometido com redução de desigualdades, promoção dos direitos humanos e justiça socioambiental, questiona premissas do liberalismo econômico e tem elementos feministas e antirracistas. Propõe reformas democratizantes no ministério e mais abertura da diplomacia para a sociedade.

O Renascença ofereceu uma contribuição, um chamado à reflexão, sem a pretensão de ser um produto acabado. Sua condução ficou a cargo do Instituto Diplomacia para Democracia, fundado alguns meses antes, quando Bolsonaro ameaçava as instituições em frente ao quartel do Exército e uma legião de lunáticos acampava na Esplanada.

Desde o debate inaugural , que contou com os embaixadores Celso Amorim e Rubens Ricupero, foram realizadas 19 rodadas de conversas com pensadoras/es, cientistas sociais, ativistas e embaixadores aposentados. Os temas giraram em torno de política externa e redução de desigualdades; cooperação para a paz; compromissos da Conferência de Durban contra o Racismo e o ativismo negro internacional; a liderança de mulheres indígenas na Amazônia; a ascensão da extrema-direita no mundo; processos de (des)integração regional; Brasil, EUA e China; diplomacia digital; direitos humanos e politica externa; meio-ambiente e relações internacionais; literatura e diplomacia; políticas migratórias; gênero e raça no Itamaraty; participação da sociedade civil e do Congresso na politica externa e finalmente perspectivas para o IPRI e a Funag, órgãos de pesquisa e reflexão aparelhados por militância radicalizada.

A presente coluna é parte da iniciativa e tem permitido desenvolver bom trabalho no espaço Democracia e Diplomacia. Convidamos leitores a repassar o acervo de textos: são ideias de jovens pesquisadoras e ativistas, memórias de embaixadores aposentados, análises e proposições variadas. Compõem mosaico de ideias que complementam as conversas virtuais. É preciso avançar, diversificar e dialogar mais com outras produções intelectuais. Como tudo no Instituto, evita-se a superficialidade, a lacração, o surfe em ondas midiáticas, a busca irrefletida de seguidores: é um trabalho de base, olhando o médio e o longo prazo com a seriedade que os problemas brasileiros exigem.

Recentemente, foi dado um salto qualitativo. A curadoria e a mediação dos principais temas e debates do Renascença passaram a ser feitas por intelectuais espalhados pelo Brasil e no exterior. Cabeças com distintas origens, formações e perspectivas, a maior parte de grupos sociais historicamente ausentes da formulação e da execução da política externa. Trata-se de mudança de paradigma importante: agora não falamos apenas do Instituto, ou de servidores do Itamaraty, mas de um arco bem mais representativo.

"Desalentados" foi uma expressão usada para refletir o estado de espírito de uma geração de servidores públicos que se deparava com o projeto de destruição bolsonarista. É verdade. Em uma estrutura burocrática hierarquizada, num país em luta consigo mesmo, com uma política externa fantasmagórica e frequentemente contrária aos interesses nacionais, não havia muito o que fazer ou para onde correr. Desalento definia bem. O Instituto, e mesmo o Renascença, foram iniciativas isoladas nadando contra a maré obscurantista.

Hoje prevalecem indignada consternação diante da tragédia na saúde pública e ceticismo frente ao que resta do governo, mas há sementes. As instituições procuram se resguardar, posicionamentos políticos são revistos e parte da população parece despertar. A mudança no Itamaraty abre a possibilidade de alguma melhoria. Convidamos você a acompanhar o novo ciclo do Renascença, uma iniciativa inédita e inovadora pensando a política externa brasileira para além do bicentenário da independência.

*Texto de autoria do núcleo responsável pela concepção do Programa Renascença, coordenado pelo Instituto Diplomacia para Democracia: https://www.diplomaciaparademocracia.com.br/programa-renascenca