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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se sua pele é preta provavelmente você ganha 31% a menos

Carteira de trabalho - iStock
Carteira de trabalho Imagem: iStock

Colunista do UOL

04/12/2021 14h03

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Jonathan Grigorio*

Marcelo Menezes**

Quando você, isso, você mesmo, pessoa que se formou em uma boa universidade e está galgando em sua carreira, olha para a mesa ao lado no escritório e vê (quando há) uma pessoa preta, com o mesmo nível profissional que o seu, mas que provavelmente fez um esforço descomunal para estar no mesmo espaço que você e ganha em média 31% a menos que você, isso te parece normal?

O que está por trás de tudo isso?

Ontem (03/12) o UOL publicou em seu site uma matéria, cujo título "Pretos e pardos com curso universitário ganham 31% menos do que brancos, diz IBGE" denota um triste retrato dos principais empregadores do país. Considerando a criação deste Blog, oriundo de Egressos do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) queremos trazer alguns pitacos para corroborar com um debate ampliado. Iniciamos questionando que tipo de motivos históricos e atuais tornam esses dados tão assimétricos, onde repito, em que pessoas com o mesmo nível instrucional recebem salários tão díspares a partir de sua cor de pele:

Iniciemos essa reflexão com uma visita ao ano de 1886 por meio do texto "Exclusão Planejada", do professor Ramatis Jacino, também da UFABC.


Jacino detalha as regras postas em 1886 pelo código de posturas do estado de São Paulo em 6 de outubro, o código proibia entre outras coisas a atuação de pessoas de "cor" (pessoas negras) em diversas profissões que até então eram exercidas em sua grande maioria pelas nossas. Entre as profissões estavam:

  • Administrador de casas de negócios ou caixeiros (artigos 168);
  • Barbeiros;
  • Curandeiros e parteiras (médicas).

O breve comentário sobre o texto do professor Jacino evidencia que as disparidades não são coincidência ou algo novo, as disparidades são na verdade um projeto secular de pauperização da população pobre, esse projeto de marginalização está também refletido nos salários, nos cargos, nos processos seletivos das grandes companhias e das universidades, que embora passaram por tempos de abertura quase inacessíveis para população pobre e preta, durante os governos de Lula e Dilma.

Com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) de 2007 foi possível avançarmos na entrada e permanência de estudantes pretos e pardos nas melhores universidades do País, e consequentemente a novos postulantes a cargos em grandes empresas. Porém, somente a entrada no mercado de trabalho não tem sido suficiente, como apontam os referidos dados do IBGE que motivaram este artigo. Penso que algumas empresas devem investir fortemente em políticas de inclusão racial, pois a simples publicação das vagas não tem sido suficiente.

Ao leitor desatento pode-se pensar que "Mas as vagas são publicadas e todos podem se inscrever…" ou "Mas se as pessoas não passam no processo seletivo, ou não recebem maiores salários deve ser pelo desempenho…" dentre outros tantos argumentos feitos por aqueles que desconhecem a realidade da população preta.

Pois bem, vou contar-lhes um caso ocorrido no início deste ano de forma a ilustrar a realidade de boa parte das grandes empresas no país, e que ocorreu com este que vos fala. Foi publicado uma vaga de nível superior, cuja descrição trazia as informações da vaga e em negrito os dizeres "para esta vaga não é necessário a fluência no idioma inglês, e a empresa incentiva a inscrição de pessoas pretas e pardas", pois bem, a inscrição foi feita e uma semana depois veio o convite ao debate com a empresa de Recursos Humanos (prestadora de serviços da Organização). No início do diálogo as questões triviais, como apresentação, experiência, planos futuros...ao final a pergunta "qual seu nível no idioma inglês?", respondi que o idioma era algo que estava nos planos de estudo, mas que não era fluente.

A recrutadora então disse que eu não seguiria adiante no processo seletivo, pois havia diversas pessoas bem mais qualificadas do que eu, rapidamente justifiquei dizendo que o processo seletivo não poderia ser baseado somente na fluência de idiomas, mas fui interrompido novamente pela mesma que disse que essa questão é tida como forma de "desempatar" currículos semelhantes.

Ao final da conversa escrevi à empresa contando-lhes o caso, e no dia seguinte recebi a ligação da diretora da empresa pedindo desculpas pelo ocorrido, dizendo que poderia me incorporar em outro espaço caso eu quisesse, felizmente eu já havia aceitado o convite da organização da qual faço parte hoje.

Essa ilustração é somente para dizer que para além dos cursos universitários há outras tantas barreiras que impedem a população preta no ingresso e permanência em grandes empresas. Questões como publicização das vagas, processos seletivos excludentes, idioma como forma de classificação, além de distância, e principalmente questões ligadas à saúde mental são pontos enfrentados diuturnamente por essas pessoas. Ter o salário 31% mais baixo do que uma pessoa branca é mais uma demonstração do projeto racista protagonizado pelo estado brasileiro há séculos.


E o que você pessoa branca pode fazer em relação a isso? Qual o seu papel na luta antirracista? Quando estiver em reuniões da sua empresa, olhe no entorno e verifique quantas pessoas pretas estão ao seu lado, e reflita se elas estão sendo remuneradas de acordo com as suas funções. Infelizmente não há uma resposta trivial para essas perguntas, e somente o convite à reflexão...

*Jonathan Grigorio é educador do Cursinho Quilombo Conceição Evaristo, mestrando em Políticas Públicas pela UFABC e graduando em Políticas Públicas e em Ciências e Humanidades pela mesma universidade.

**Marcelo Menezes é pós-graduando em Liderança e Gestão Pública (CLP - Centro de Liderança e Gestão Pública) e Graduado em Políticas Públicas e em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Atuou como Coordenador de Projetos Sociais no Terceiro Setor, e atualmente é Analista de Implementação no Itaú Educação e Trabalho.