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Como políticas públicas poderiam deixar a gasolina mais barata?

Gasolina, posto, combustível, abastecer - iStock
Gasolina, posto, combustível, abastecer Imagem: iStock

Colunista do UOL

10/12/2021 04h00

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Luiz Rodrigues*

Os preços da gasolina e do diesel impactam a vida das pessoas. O valor está cada vez mais elevado, em parte por decisões tomadas pelos governos. Os impactos são claros: os deslocamentos no dia a dia dependem dos combustíveis, seja nos carros, nas motos, nos ônibus ou nas vans. Em 2018, as famílias passaram a gastar com transportes mais do que com alimentação, conforme mostra a pesquisa de orçamentos familiares, realizada pelo IBGE. Naquele ano, cerca de 18,1% dos desembolsos das famílias foram com deslocamentos, sendo que alimentação consumiu 17,5%. E desde então, o preço dos combustíveis apresentou tendência de alta, apesar de um breve intervalo logo no início da pandemia.

Num momento em que o mundo fala de combate às mudanças do clima e descarbonização, pode parecer estranho que a discussão sobre o preço dos combustíveis continue relevante. Ocorre que os investimentos mundiais em pesquisa e desenvolvimento para a eletrificação de veículos só agora começam a render os primeiros frutos, sendo que a frota de carros, motos e ônibus elétricos ainda não é significativa no país. Apesar da queda dos preços dos elétricos, tais veículos ainda são muito caros. E até que esses preços se equalizem e a transição energética dos combustíveis fósseis para energias renováveis se complete, o custo dos combustíveis continua a impactar a vida das famílias, especialmente daquelas de menor renda.

O preço dos combustíveis é sensível às decisões de políticas públicas, quer seja no Brasil ou em qualquer outro país do mundo. Boa parte dos países aplica sobre esse setor políticas de tributação e de subsídio. Trata-se de um mercado pouco competitivo: são poucas grandes empresas que controlam a produção, refino e distribuição. No Brasil, foi criada a Petrobrás, nos anos 50, porque até então as grandes empresas mundiais afirmavam que não havia petróleo no país. Após décadas de investimentos públicos na Petrobrás, foram descobertas reservas significativas na Bacia de Campos, e o país dominou a tecnologia de exploração em águas profundas. Isso sem falar no pré-sal, um investimento de risco, bancado pelo Estado, que está gerando dividendos formidáveis.

Por causa desse histórico, temos no Brasil uma grande empresa produtora e refinadora. Como o Estado financiou sua construção, historicamente era a própria empresa que aplicava a política de preços determinada pelo governo. No entanto, a partir de 2016, foi determinada, pelo governo federal da época, a política de paridade de preços internacional (PPI), um cálculo cujo principal componente é o preço do petróleo no mercado mundial. Ao mesmo tempo, as escolhas econômicas do governo fizeram o câmbio se desvalorizar, tornando o dólar mais caro. Esse é um dos principais fatores para os altos preços atuais nas bombas de combustíveis.

É verdade que essa política de paridade tem uma racionalidade: há coisas que a Petrobrás utiliza que são cotadas em dólar. Ademais, o petróleo produzido por ela pode ser exportado. Por outro lado, os custos de produção da Petrobrás são conhecidos para seu maior acionista, a União, a qual não precisa de um padrão externo para preços. E nem todos os custos são em dólar: a empresa possui algumas vantagens competitivas. Países que são grandes produtores de petróleo não se aferram à paridade, sendo essa uma ferramenta predominante entre grandes importadores. Outrossim, é preciso lembrar que não havia perspectiva de se encontrar petróleo no Brasil e que foram decisões de políticas públicas que direcionaram recursos do Estado para investimento até que este setor se consolidasse por aqui. A população aceitou que o Estado investisse por décadas na Petrobrás para que o Brasil fosse beneficiado.

Ainda que alguns afirmem que imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) seria o responsável pela alta, é importante lembrar que tal tributo estadual tem variado pouco em suas alíquotas ao longo do tempo. E é ele que financia boa parte das políticas de segurança - as polícias militares e civis são estaduais, pagas em boa medida com ICMS -, bem como a maioria das escolas e dos hospitais no Brasil. A grande mudança nos últimos anos não foram as alíquotas de impostos estaduais, ao contrário, o que impactou os preços da gasolina e do diesel foi a política de preços da Petrobrás e a política econômica, que influencia o câmbio.

Embora seja temido o uso político desarrazoado de uma eventual mudança de cálculo de preços dos combustíveis, é possível, sim, fazer uma política distinta da PPI que não represente sucateamento da Petrobrás. Uma das propostas que não envolvem utilizar diretamente a empresa estatal é o Projeto de Lei (PL) 750/2021 que cria um fundo de estabilização de preços dos combustíveis, propondo a tributação de exportação de petróleo. Os recursos arrecadados seriam usados para regular o preço no Brasil. A grande novidade deste projeto é que o tributo tem proposta de alíquotas variáveis de acordo com a cotação internacional do petróleo: quando está acima de US$ 70, incide imposto de 50% daquilo que ultrapassar esse valor. A vantagem desse tipo de proposta é que não impede a Petrobrás de manter a política de preços atual.

Para além do PL 750/2021, há outras possíveis decisões que podem reduzir o impacto da alta dos combustíveis. A principal seria uma política econômica estável que estimulasse um câmbio mais equilibrado, mas isso não se consegue rapidamente. Outra possibilidade seria a redução de tributos federais que ainda incidem sobre alguns combustíveis. De forma não excludente, políticas públicas de incentivo ao transporte coletivo e transporte ativo fariam com que o impacto dos combustíveis fosse menor, ao se privilegiar formas de locomoção mais eficientes no uso de energia.

Portanto, fica claro que o preço dos combustíveis é muito influenciado pelas decisões de políticas públicas. A política de paridade internacional, o câmbio apreciado e a política tributária são os principais determinantes atuais do preço dos combustíveis. Como são decisões de amplo impacto, é preciso que haja um debate mais claro e informado neste setor e que leve em consideração as necessidades da população, especialmente dos mais vulneráveis. É possível fazer uma política de preços de combustíveis menos impactante para as pessoas e que ao mesmo tempo não desacelere a transição energética. Um futuro descarbonizado depende do apoio político amplo da sociedade e isso só se constrói com equilíbrio e sem choques bruscos.

* Luiz Rodrigues é membro da carreira de especialistas em políticas públicas e gestão governamental. Mestrando em desenvolvimento e governança pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública), pesquisa políticas públicas para eletromobilidade. Tem pós-graduação em relações internacionais pela UnB (Universidade de Brasília).