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Diálogos Públicos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Compromisso democrático, crescimento econômico e desenvolvimento social

Colunista do UOL

16/07/2022 04h00

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Alexandre Sampaio Ferraz*
Sidney Jard da Silva**

O Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, em uma lista de 115 países, estamos à frente de apenas cinco: Zâmbia, São Tomé e Príncipe, Namíbia, África do Sul e Essuatíni. Apesar de termos um dos maiores Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, nossa renda per capita é baixa, e uma enorme distância separa os muito ricos dos mais pobres. Ao contrário do que indica o senso comum, vivemos em uma nação pobre, com grande fatia da população vivendo em condição de penúria.

A pandemia provocada pela Covid-19 aprofundou a desigualdade jogando milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza, enquanto alguns poucos ficaram ainda mais ricos. A volta ao Mapa da Fome acendeu o sinal de alerta, com mais de 65 milhões de brasileiros vivendo a insegurança alimentar moderada ou grave. Atualmente, temos 10,6 milhões de desempregados. E mais de 39 milhões de trabalhadores não tem carteira assinada, representando pouco menos da metade dos 97,5 milhões de ocupados.

Esses brasileiros que trabalham sem nenhuma cobertura legal (férias, licença maternidade, previdência etc.) são os mais castigados pela crise. Enquanto esses problemas não forem resolvidos o compromisso democrático com a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, bem como a promoção da vida saudável e ambientalmente sustentável são bandeiras fundamentais que deveriam orientar qualquer projeto de governo para os próximos anos. Não basta crescer, o Brasil tem que se desenvolver e permitir que todos usufruam do aumento da riqueza produzida.

Nos países em que a desigualdade foi combatida - e a pobreza e a fome erradicadas - a solução veio da política e não da economia. Por isso, a urgência de um pacto democrático que aglutine e oriente os setores produtivos e progressistas da nossa sociedade. Individualmente, a despeito da fantasia do discurso empreendedor, os trabalhadores pouco ou nada podem fazer para alterar a realidade precária do mercado de trabalho. Tão pouco os empresários têm este poder, pressionados que estão pela acirrada competição pelo escasso mercado consumidor dos seus produtos e serviços. Apenas por meio de uma ação conjunta é que trabalhadores, empresários e governo poderão contribuir de forma efetiva para escapar da armadilha do subdesenvolvimento crônico ao qual fomos condenados pela ortodoxia neoliberal: salários baixos, desemprego alto, inflação alta, juros altos.

Em países democráticos, o processo eleitoral é o mecanismo pelo qual qualquer pessoa pode, como cidadão, interferir na oferta de bens e serviços, por meio da eleição de representantes que defendam uma alocação de recursos condizente com o bem-estar social de todos. Se no mercado apenas os capitalistas têm voz, e ela é tanto maior quanto o seu poder econômico, na política ela está distribuída de forma mais equitativa entre os cidadãos. Por isso um acordo democrático é tão importante para os agentes econômicos, políticos e sociais que no atual cenário de hegemonia neoliberal têm poucas chances de interferir na produção e na distribuição da riqueza.

É pelo fortalecimento da democracia que podemos combater a desigualdade predominante no mercado. O país possui cerca de 148 milhões de eleitores aptos a votar, para uma população de pouco mais de 200 milhões de brasileiros. A grande maioria do eleitorado, 86%, têm entre 21 e 69 anos, são trabalhadores e trabalhadores em sua fase adulta. Neste momento em que a população sente na pele o alto preço do desemprego estrutural, da pobreza e da insegurança alimentar - e o abandono dos serviços públicos essenciais - é que o diálogo entre os atores econômicos, políticos e sociais se torna mais importante.

A eleição de representantes alinhados com os interesses dos setores produtivos e progressistas da sociedade é a única forma desses agentes econômicos e atores sociais - que pouco ou nada podem no mercado - conseguirem influenciar os rumos do país, e recolocar o Brasil na trilha do desenvolvimento e da democracia. É esse compromisso democrático entre as forças produtivas da sociedade que devemos buscar nas eleições que se avizinham.

Uma política econômica progressista deve defender a promoção do pleno emprego e da formalidade dos contratos de trabalho, do qual melhores condições salariais e laborais são uma consequência. Deve igualmente defender bens e serviços públicos de qualidade (cultura, educação, moradia, saúde, transporte etc.) que garantam à população padrões dignos de sobrevivência e igualdade de oportunidades para desfrutar dos benefícios do desenvolvimento social ao longo da sua vida ativa, e que possam ser amparadas por políticas públicas, especialmente assistência e previdência, nos períodos de inatividade.

Portanto, a retomada do crescimento econômico só será possível por meio de um amplo acordo democrático entre governo, trabalhadores e empresários colocando o Brasil novamente no caminho do desenvolvimento inclusivo, autônomo e soberano. A retomada econômica só se realizará com investimento público e privado, e se beneficiará do empenho produtivo dos trabalhadores e empresários. O investimento estatal em projetos de educação e infraestrutura e o financiamento governamental em empreendimentos realizados em parceria com o setor privado, por sua vez, serão imprescindíveis para a consolidação de um compromisso democrático que trará prosperidade para todos.

Em síntese, a defesa da democracia política será o caminho para a retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento social, desde que saibamos aprender com as lições da história, sobretudo, aquelas que não queremos, não podemos e não devemos repetir. "Ditadura nunca mais!"

* Alexandre Sampaio Ferraz é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

** Sidney Jard da Silva é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).