Topo

Diálogos Públicos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Políticas públicas de combate ao desmatamento: Chance perdida?

28 jul. 2021 - Vista aérea mostra área de desmatamento na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso - Amanda Perobelli/File Photo/Reuters
28 jul. 2021 - Vista aérea mostra área de desmatamento na fronteira entre a Amazônia e o Cerrado, em Nova Xavantina, no Mato Grosso Imagem: Amanda Perobelli/File Photo/Reuters

Colunista do UOL

19/07/2022 23h03

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O desmatamento cresce no Brasil e é uma ameaça ao desenvolvimento econômico ao colocar pressão para reduções mais bruscas no setor produtivo. Políticas públicas contra o desmatamento são positivas para a economia.

Luiz Rodrigues*

Marcela Rodrigues**

O mundo está preocupado com os impactos que as mudanças do clima podem trazer na vida das pessoas. Por isso, desde 1990, com a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) tenta-se encontrar arranjos para reduzir a emissão de gases que provocam o efeito estufa. O último deles, o Acordo de Paris, fixou metas ambiciosas de redução dessas emissões. O Brasil ganhou uma grande oportunidade de usar esse acordo para acelerar o desenvolvimento do país, mas parece, lamentavelmente, estar desperdiçando esse potencial por não combater o desmatamento de forma integrada e efetiva, gerando insegurança sobre setores fundamentais da nossa economia como a produção de energia, a indústria e a agropecuária.

Primeiro é preciso entender o que está em jogo. A razão dos acordos do clima serem multilaterais, ou seja, entre vários países, é que a atmosfera é uma só, de modo que se um país reduzisse suas emissões e outro não, todos sofreriam as consequências. Na economia, isso é conhecido como problema do "carona" ou "free-rider", que pode levar à "tragédia dos comuns", uma falta de ação coletiva que dilapida o patrimônio de todos. A natureza do problema do clima é diferente da poluição de um rio que nasce e deságua dentro de um só país, cujos esforços de conservação não dependem de outros países. Assim, no clima, os países tentam coordenar ações que sejam de alguma forma equivalentes. Mas isso é feito num processo diplomático e, no bom sentido da palavra, num processo político: um acordo entre países em que eles mesmos redigem seus termos.

O Acordo de Paris, de 2015, teve em sua concepção e no desenvolvimento do seu texto, ampla participação dos especialistas em clima do governo do Brasil, junto com a diplomacia do Itamaraty. Coincidência ou não, fixou-se como linha de base para os compromissos de Paris, o ano do Protocolo de Quioto, 2005, o que deu ao Brasil ampla vantagem na redução de emissões. Isso porque o Brasil, ao contrário da grande maioria dos países do mundo, tinha naquele ano suas emissões concentradas em desmatamento ("mudança do uso da terra", na linguagem da convenção) e não no uso de combustíveis fósseis ("energia" e "transportes"). E foi no ano de 2005 que o Brasil começara a implementar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que reduziria em cerca de 70% o desmatamento na Amazônia nos anos seguintes. Concentrando suas metas de redução de emissões no combate ao desmatamento, sem precisar mexer no setor produtivo e energético, o Brasil "ganhou" um grande bônus na assinatura do acordo.

Mas em que diferem as emissões do desmatamento para aquelas de energia e transporte? Por que seria isso uma vantagem econômica a favor do Brasil? Basicamente, o mundo emite gases de efeito estufa em energia e transportes para produzir e transportar bens, além do uso residencial. A redução de emissões nestes setores pode acabar impactando os custos de produção num determinado país bem como elevando o custo de vida para as pessoas. Já o desmatamento no Brasil não gera ganhos econômicos significativos. A evidência mostra o contrário: de 2005 a 2010 a economia teve amplo crescimento, enquanto o desmatamento caía. A produção econômica do Brasil não é dependente do desmatamento. A produção agropecuária no Brasil cresce, nas últimas décadas, mais em produtividade do que em incorporação de novas áreas.

Desse modo, a redução de emissões pelo combate ao desmatamento seria favorável à economia do Brasil como um todo, uma vez que não aplica pressão sobre os setores mais sensíveis para o crescimento econômico, podendo tais setores irem investindo em descarbonização numa relação custo-eficiência muito maior que os demais países. Como exemplo, a Turquia, um país cuja renda é parecida com a do Brasil, para ter redução de emissões precisa, no curto prazo, mudar a geração de energia elétrica para fontes mais caras. O Brasil pode ir mudando a matriz energética na medida em que as novas fontes vão se tornando mais eficientes. Isso libera recursos, inclusive, para pesquisa em etanol de 2ª geração, para mapeamento de potencial eólico no mar ("offshore") e para preparar a Petrobrás para investir nesse setor. Da mesma forma, com combate às emissões do desmatamento, a indústria recebe menos pressão para redução imediata e pode planejar uma transição mais custo-efetiva.

Infelizmente, parece que parte da inteligência no comando do Estado brasileiro não percebeu a oportunidade que tem em mãos. Esse tempo para uma transição mais módica e com capacidade de gerar amplos benefícios não parece estar no radar de algumas pessoas que acreditam que há algo positivo no desmatamento. Nos últimos anos, o Brasil não se esforçou para combater o desmatamento, e nem utilizou todas as ferramentas ao seu dispor para desbaratar crimes ambientais na região Amazônica.

Se o Brasil tivesse combatido o desmatamento, o país teria mais saldo em redução de emissões inclusive para negociação num futuro mercado "global" de carbono que ainda não existe na escala e na liquidez necessárias. O Brasil caminhava bem com a discussão no Congresso do Projeto de Lei 528/2021 para regulamentar o mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE). No entanto, antes de se concluírem as negociações desse projeto, o governo editou o Decreto nº 11.075/2022, supostamente criando o "mercado de carbono", mas com diversas lacunas.

Assim, se o mercado global de carbono do Art. 6º do Acordo de Paris vier a andar, o que demanda empenho sério em criar confiança ambiental internacional, ele vai depender dos saldos de redução que os países tenham feito, pois para evitar "greenwashing" (trapaça ambiental) todos esperam não permitir dupla contagem. Para isso, é preciso criar alguns consensos. O primeiro deles é que o desmatamento não vale a pena e não é um entrave ao crescimento econômico. E tal consenso precisa contar com o Centro de Governo do Estado Brasileiro neste arranjo de combate ao desmatamento orientando as ações de toda a estrutura governamental, enviando comunicação clara e não-contraditória. Quem ganha é todo o Brasil, mas especialmente o setor produtivo.

*Luiz Rodrigues é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pós-graduado em relações internacionais, mestre em governança e desenvolvimento.

**Marcela Rodrigues, engenheira ambiental, é doutoranda em ciências mecânicas pela UnB. É assessora de projetos do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal

***Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.