Por que a oposição a Bolsonaro não deveria ter ilusões a respeito de Biden
Com o fechamento das urnas nos Estados Unidos, a expectativa cresce para além das fronteiras americanas e chega ao Brasil, onde muitos brasileiros torcem pela vitória do democrata Joe Biden como se a eleição estivesse definindo o ocupante do Palácio do Planalto. São brasileiros que veem a derrota do republicano Donald Trump como uma derrota do presidente Jair Bolsonaro. O próprio presidente brasileiro já deu sinais de que também interpreta dessa forma. Mas o caso exige cautela.
Para quem repudia o negacionismo na gestão da pandemia do novo coronavírus, o discurso xenófobo, o desprezo pelas instituições de governança global, o protecionismo econômico e o estilo confrontacionista, entre muitas outras das caraterísticas do atual ocupante da Casa Branca, faz todo sentido esperar que o presidente Trump seja apeado do cargo. Muito disso tudo desmancharia no ar com Joe Biden na presidência.
Mas, no que se refere ao que a eleição do democrata pode representar para o Brasil, não se deve ter grandes ilusões.
Antes de mais nada, se essa é esperança dos brasileiros que torcem por ele, Biden presidente não ajudaria a evitar a reeleição de Jair Bolsonaro em 2022.
Se as relações entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos forem frias ou tensas nos próximos dois anos, só teremos a perder como país. Mas isso dificilmente servirá para ejetar Bolsonaro da cadeira presidencial. Quem vai decidir isso são os brasileiros, nas urnas, e os fatores que mais vão pesar são as taxas de emprego, a recuperação (ou não) da economia e outras questões domésticas.
As pressões externas, se ocorrerem, podem até ter o efeito contrário, servindo de cola aglutinadora do apoio ao presidente brasileiro. Bolsonaro é nacionalista, e como tal precisará sempre de um inimigo externo.
Se, por outro lado, Bolsonaro resolver substituir seu americanismo ideológico por um americanismo pragmático, colocando sua política externa a serviço dos interesses brasileiros, dificilmente enfrentará obstáculos com Biden. O democrata não tem motivos para arranjar rusgas com a potência média do sul. Há interesses comerciais envolvidos, mas há também questões geopolíticas.
Biden, assim como a gestão Trump, também não quer ver a China ampliando sua influência na América Latina. Biden, assim como Trump, também entende a Venezuela do ditador Nicolás Maduro como uma pedra no sapato.
Alimentar encrencas com Bolsonaro não ajudaria em nada disso. De resto, o Brasil estará fora do radar das principais preocupações globais dos Estados Unidos, como, aliás, tem estado nas últimas décadas.
Ah, sim, tem a questão ambiental. Biden prometeu, em debate televisivo com Trump, oferecer ajuda em dinheiro para o Brasil combater a destruição das florestas — ou, se não colaborar, enfrentar sanções econômicas.
É pouco provável que os Estados Unidos, por causa da Amazônia, passem a tratar o Brasil como tratam o Irã, a Coreia do Norte ou a Venezuela. Os americanos também têm muito a perder com isso. O Brasil é o nono maior destino de suas exportações. E cobrar Bolsonaro pela questão ambiental dessa forma significaria chamar a atenção para o fracasso dos próprios americanos em combater as mudanças climáticas.
O mais provável é que, sob Biden, os Estados Unidos mudarão sua postura nas instâncias multilaterais e passem a fazer pressão de outras formas sobre o governo brasileiro. Se isso ajudar a mudar as políticas de Bolsonaro para o meio ambiente, ótimo.
Mas que ninguém pense que a eleição de Biden vai mudar os rumos da política brasileira.
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