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Diogo Schelp

Por que Bolsonaro não precisa se preocupar com denúncia penal internacional

                                 Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro                              -                                 ISAC NóBREGA/PR
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro Imagem: ISAC NóBREGA/PR

Colunista do UOL

15/12/2020 10h46Atualizada em 15/12/2020 19h25

Conforme revelou o colunista do UOL Jamil Chade nesta segunda-feira (14), a Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) receberam do escritório da procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, a informação de que a denúncia de incitação ao genocídio feita pelas duas entidades em novembro do ano passado está sendo analisada. O caso refere-se às políticas do governo Jair Bolsonaro para a população indígena e não tem relação com outras quatro denúncias feitas este ano ao TPI, por supostos crimes contra a humanidade, referentes à gestão da pandemia do novo coronavírus.

Em resposta a esta coluna, por e-mail, a procuradoria confirma que descartou as denúncias relacionadas "à resposta doméstica do Brasil a covid-19, por estarem claramente fora de nossa jurisdição".

Mesmo no primeiro caso, Bolsonaro não tem grandes motivos para se preocupar. O tempo joga a favor dele.

Ainda faltam quatro etapas a serem cumpridas antes mesmo de a procuradoria chegar ao ponto de pedir ao tribunal a autorização para abrir uma investigação.

As quatro etapas são: fase 1, em que se analisa a seriedade das informações recebidas e se o suposto crime está dentro da jurisdição do TPI; fase 2, quando se avalia se há base razoável para considerar que os supostos crimes estão sob a jurisdição temática do tribunal; a fase 3 analisa a possibilidade de incluir outros eventos à denúncia, por serem graves e complementares; e a fase 4 considera se há base razoável para iniciar uma investigação.

O cumprimento dessas quatro fases pode ser bastante demorado. De cinco casos descritos em relatório divulgado nesta segunda-feira (14) pela procuradoria e que se encontram na fase 1 de avaliação preliminar, três referem-se a denúncias recebidas em 2016 e 2017 (Canadá/Líbano, Uganda e Austrália), um tem por base informações recebidas em 2013 (Madagascar) e apenas um refere-se a denúncia deste ano (China).

Na fase 2 há dois casos referentes a denúncias feitas este ano (Bolívia e Venezuela). Mas na fase 3 os casos são mais antigos: 2003 (Colômbia), 2009 (Guiné), 2010 (Nigéria), 2014 (Venezuela, caso diferente do que está na fase 2, citado acima, além de Iraque e Ucrânia), 2015 (Palestina) e 2016 (Filipinas).

Como se pode ver, o tempo em que as denúncias permanecem em avaliação preliminar na procuradoria do TPI varia muito e há alguns casos recentes, mas dificilmente cumprem todas as etapas em menos de quatro anos.

O filtro da procuradoria é rigoroso: segundo o relatório desta segunda-feira (14), o TPI recebeu 813 denúncias de incitação ao genocídio entre 1º de novembro de 2019 e 31 de outubro de 2020. Desse total, 612 foram consideradas fora da jurisdição do tribunal, 104 estavam relacionadas a situações já em análise, 71 vinculadas a casos já em investigação e apenas 25 foram consideradas aptas à abertura de novas análises preliminares.

Cumpridas todas essas fases, há de se considerar que as investigações em si também são demoradas. Das treze situações atualmente em investigação pela procuradoria do TPI, a mais recente foi aberta em 2017 (Burundi) e a mais antiga, em 2003 (Afeganistão).

À parte a questão temporal, há dois fatores fundamentais que tornam muito improvável que a denúncia contra Bolsonaro na corte penal de Haia sequer chegue à fase de investigação.

O primeiro é o fato de que o tribunal tende a se concentrar em crimes de extrema gravidade, normalmente em contextos de conflitos armados.

O segundo é que as investigações costumam recair sobre países com sistemas judiciais frágeis, e que, portanto, são incapazes de buscar pelos próprios meios a punição aos responsáveis.

Não é o caso do Brasil.