Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Rendição de Bolsonaro às vacinas mostra peso da palavra presidencial
O presidente Jair Bolsonaro procura uma saída honrosa para o desastre que foi a sua gestão da pandemia do novo coronavírus em 2020.
Ele, que sempre minimizou a gravidade da covid-19, agora não fala mais em "gripezinha". Ele, que fez de medicamentos sem eficácia comprovada a prioridade da política de saúde pública contra a doença, agora se exime de responsabilidade dizendo que talvez não funcione, mesmo, mas que mal não fez (uma grande inverdade). Ele, que sempre desprezou a vacinação como esperança mais palpável contra a doença, agora diz que sempre defendeu as vacinas.
Bolsonaro atuou para sabotar a vacinação contra a covid-19. Há relatos dos bastidores dessa sabotagem e há, também, declarações e atos bastante públicos nesse sentido. A vacina mais avançada, com chances de chegar mais rápido aos braços dos brasileiros, era questionada por Bolsonaro por ter sido desenvolvida na China.
Ele afirmou peremptoriamente, em comentário publicado em rede social, que não compraria a CoronaVac. Em seguida, mandou o seu ministro da Saúde suspender negociações com o Instituto Butantan.
No início de janeiro, quando ficou claro o estado de São Paulo podia começar a vacinar seus habitantes antes que o resto do país, sob coordenação do Ministério da Saúde, o fizesse, o governo federal rendeu-se à CoronaVac e, aos poucos, começou a moldar seu discurso e comunicação oficial para vender a ideia de que a vacinação em massa sempre havia sido a prioridade do governo.
A rendição de Bolsonaro à vacinação — que agora, finalmente, ele vê como maior oportunidade para a recuperação econômica — mostra que a responsabilidade de um governo vai além das ações. Importa muito, também, o que o presidente diz, as ideias que ele defende e a maneira como as comunica.
Bolsonaro afirma há meses que ficou de mãos atadas na gestão da pandemia por causa da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril do ano passado, que deu a estados e municípios autonomia para restringir atividades e a circulação de pessoas para conter o avanço do vírus.
Trata-se de uma interpretação falaciosa da decisão que já foi desmentida mais de uma vez pela própria corte. Na realidade, a decisão do STF definia "competências concorrentes" aos entes federativos. Ou seja, todos podem agir, nenhum teria as mãos atadas.
Bolsonaro não abandonou essa versão, que serviu para que ele chacoalhasse de seus ombros a responsabilidade de liderar o país em um de seus momentos mais difíceis.
Mas a mudança de seu discurso sobre as vacinas mostra, também, o quanto, além das ações, um presidente pode influenciar os acontecimentos.
Quando Bolsonaro ainda estava empenhado no discurso antivacina, as pesquisas de opinião indicaram uma diminuição na proporção de brasileiros dispostos a se imunizar. Os índices voltaram a patamares anteriores (cerca de 80% dos entrevistados), quando Bolsonaro baixou o tom e as vacinas estavam prestes a receber aprovação da Anvisa.
Quantas pessoas se sentiram seguras ao tomar remédios sem eficácia comprovada e negligenciaram sintomas por se fiar nas lives em que o presidente exibia a caixa desses remédios, enquanto dizia ter sido curado por eles?
Quantas pessoas deixaram de usar máscaras seguindo o exemplo do presidente?
O discurso antivacina também pautava o humor nas redes sociais a respeito dos imunizantes. Depois que Bolsonaro passou a defender a vacinação em massa, no final de janeiro, as postagens com teor antivacina caíram 85% no Twitter.
A responsabilidade de Bolsonaro na péssima gestão da pandemia não está restrita às ações (ou à falta de ações) de seu governo. Ela aparece também em cada uma das declarações desastrosas, que promoviam confusão e desinformação, a respeito da pandemia.
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