Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bolsonaristas usam estratégia chavista de confronto com Judiciário
Em 1999, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo e em discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez elogios entusiasmados ao presidente venezuelano Hugo Chávez, que havia tomado posse naquele ano. Entre os aspectos positivos que Bolsonaro via em Chávez estava sua origem militar e seus planos de reformar o Legislativo e o Judiciário, dois poderes contaminados pela "omissão", "ineficiência" e "corrupção", segundo palavras pinçadas pelo deputado de uma carta enviada por um leitor ao jornal O Globo.
Mais tarde, conforme Bolsonaro foi intensificando seu viés antiesquerdista (na entrevista de 1999 ele dizia que não era um anticomunista), o atual presidente brasileiro passou a adotar o chavismo como um de seus inimigos preferenciais.
Mas ele nunca se distanciou daquilo que admirava em Chávez desde o princípio: o militarismo na política e a aversão à independência entre os poderes.
Os dois primeiros anos de Bolsonaro foram marcados pela incorporação de militares em postos de relevo no Executivo e pela guerra de atrito com o Congresso Nacional e com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Chávez também teve um início atribulado na relação com os outros poderes, especialmente com o Judiciário. Sua estratégia era a de esticar a corda ao máximo, acusando os juízes do Tribunal Supremo de Justiça, o STF da Venezuela, de toda sorte de ilegalidades e de golpismo.
Um discurso muito semelhante ao que se vê, hoje, entre os influenciadores digitais mais aguerridos do bolsonarismo — e que aparece de maneira bastante explícita no vídeo do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) contra o STF.
Chávez esticou tanto a corda da democracia que acabou enfrentando uma tentativa frustrada de golpe, em 2002. A partir daí, aconselhado por Cuba, colocou em marcha seu plano de assumir o controle definitivo do Judiciário.
Antes de qualquer coisa, precisava convencer o povo venezuelano de que o sistema judicial era uma ameaça ao país. Essa ideia permeava todo o discurso de Chávez e de seu entorno mais fiel e era repetida à exaustão nas transmissões semanais que ele fazia na TV (muito parecidas com as lives de quinta-feira de Bolsonaro).
Em uma entrevista concedida em agosto de 2002, por exemplo, Chávez disse que a suprema corte de seu país atropelava a justiça e representava uma "imoralidade sem precedentes na história do mundo". Também afirmou que escutara rumores de que os juízes da corte ficavam "se embebedando nos bares de Caracas" e que vendiam sentenças. E arrematou: "Não vamos permitir que a Constituição seja atropelada. Que não acreditem, eles e seus chefes, aqueles que lhes pagam, que vamos ficar de braços cruzados."
A retórica de que a verdadeira ameaça à democracia residia na corte suprema era necessária para dar credibilidade e justificativa às medidas práticas para acabar de vez com a independência do Judiciário.
Isso só aconteceu, de fato, em 2004. Ou seja, Chávez passou cinco anos construindo uma narrativa contrária à corte suprema, antes de dar o seu golpe. Naquele ano, valendo-se de uma maioria simples no Legislativo, Chávez conseguiu aprovar uma lei aumentando de 20 para 32 o total de magistrados na corte.
Dessa forma, de uma só vez, Chávez indicou doze novos juízes supremos, fazendo a balança da Justiça pender totalmente para o seu lado a partir de então. Daquele momento em diante, Chávez passou a merecer o aposto de ditador.
Foi por meio do controle da suprema corte que o chavismo usou a democracia para destruir a democracia, cujo desmonte continuou, paulatinamente, nos anos seguintes.
A lição mais importante da Venezuela é que planos autoritários se travestem de defesa da legalidade e da "verdadeira" Justiça. E que, para construir essa narrativa, utiliza-se de uma estratégia de longo prazo de confronto permanente com as instituições.
Os agentes desse plano procuram esticar ao máximo a corda, ultrapassando os limites do aceitável em uma democracia, só para forçar quem está na outra ponta (no caso, a suprema corte) a tomar medidas drásticas para evitar seu rompimento. E assim cria-se a justificativa para virar o jogo, acabando com a independência dos poderes.
O bolsonarismo segue o roteiro à risca.
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