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Diogo Schelp

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quantas vidas custou o atraso presidencial na busca por união anticovid?

O presidente Jair Bolsonaro - Ueslei Marcelino/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

24/03/2021 12h40

O primeiro óbito por covid-19 no Brasil ocorreu no dia 12 de março de 2020. Pouco mais de um ano e cerca de 300.000 mortes depois, o presidente Jair Bolsonaro resolveu acordar para a necessidade de formar um comitê para unir as ações do governo federal, do Congresso Nacional e dos estados e municípios no combate à mais grave crise de saúde pública já enfrentada pelo país.

Quantas vidas poderiam ter sido salvas se essa iniciativa tivesse ocorrido há um ano ou mesmo seis meses atrás?

O governo Bolsonaro adotou, ao longo de 2020, a omissão como estratégia na pandemia. O presidente confiou nas avaliações de conselheiros como o deputado Osmar Terra de que o número de mortos não passaria de 2.000 no total e que o melhor a fazer era deixar o vírus correr solto para que a população adquirisse imunidade coletiva contra o vírus. Quanto aos que morreriam nesse processo, "quer que eu faça o quê?", respondia o presidente.

O pano de fundo dessa estratégia era a preocupação do presidente com o impacto econômico das medidas de restrição às atividades econômicas adotadas por estados e municípios, cujo intuito era controlar as taxas de contaminação pelo novo coronavírus.

Em vez de apoiar essas medidas duras, mas necessárias, e trabalhar para que elas tivessem efeito rápido para durar o menor tempo possível, o presidente preferiu entrar em disputa com governadores e prefeitos, tentando empurrar para eles todo o ônus do impacto econômico das restrições — e da própria pandemia.

A estratégia da omissão originou-se de um cálculo eleitoral: a pandemia atrapalhava a expectativa de Bolsonaro de que a recuperação econômica a cargo do ministro Paulo Guedes lhe daria uma reeleição confortável em 2022.

Foi também por cálculo eleitoral — e por uma boa dose de ideologia anticiência — que Bolsonaro procurou sabotar a iniciativa de seu rival político paulista, o governador João Doria, para disponibilizar rapidamente uma vacina contra a covid-19.

Ao contrário do que disse no pronunciamento desta terça-feira (23), Bolsonaro nunca contou com a CoronaVac para imunizar a população e permitir que a vida voltasse ao normal no país.

Bolsonaro desprezou repetidas vezes a "vacina chinesa do Doria" e impediu que o Ministério da Saúde fechasse um acordo no passado para comprá-la.

Só em meados de janeiro deste ano, quando ficou claro que São Paulo iria começar a vacinação de sua população antes que o governo federal o fizesse em todo o país, é que Bolsonaro autorizou a compra das doses da "vacina chinesa" — aquela que havia prometido nunca adquirir com o "dinheiro do povo".

A conversão de Bolsonaro às soluções científicas e sua aparente postura de ponderação e diálogo, demonstradas no pronunciamento nacional e no rápido discurso após a reunião de hoje, são apenas parciais — e sabe-se lá se duradouras.

Ele abraçou as vacinas como solução e minimizou suas crenças em medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 (disse apenas que isso era assunto para o Ministério da Saúde, sob nova direção, decidir), mas nada mencionou a respeito de isolamento social ou lockdown como medida de urgência — já que a vacinação levará meses para ter efeito sobre as estatísticas de mortos e contaminados.

Mas essa possibilidade apareceu na fala de Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, ao final da reunião de hoje que criou o comitê de crise. Caiado pediu "a todos que entendam que em situações delicadas, situações críticas como estamos vivendo, muitas vezes se faz também necessário o isolamento social". Caiado é médico e aliado político do presidente.

Se o pronunciamento de ontem e a reunião de hoje representam uma virada no discurso e na atitude do governo federal em relação à pandemia, espera-se que isso se reflita em um verdadeiro esforço pela vacinação, em apoio com recursos para a assistência médica nos estados e, acima de tudo, na disposição de não deixar as medidas de isolamento social de fora das alternativas.

A responsabilização pelo fato de a busca por união nacional ter demorado tanto, com efeitos tão nefastos, virá ao seu tempo.