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Felipe Moura Brasil

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A função do reacionarismo aloprado

Roberto Jefferson e o presidente Jair Bolsonaro - Reprodução
Roberto Jefferson e o presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

13/08/2021 14h37

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Dias antes da derrota do voto impresso no plenário da Câmara dos Deputados, por falta de 79 votos para os 308 necessários à aprovação da PEC, respondi assim à pergunta de um seguidor no Instagram Stories sobre a manobra do presidente da Casa, Arthur Lira:

"[Jair] Bolsonaro pode tentar comprar a vitória, distribuindo cargos e emendas, mas, no momento a tendência é de derrota, até porque ele emporcalhou a pauta ameaçando eleição, espalhando mentiras e xingando [o presidente do TSE, Luís Roberto] Barroso. Lira não se importa com voto impresso, só quer lavar as mãos."

Agora sabemos quanto Bolsonaro - que mantém contratos, repasses, crachás e cartões corporativos sob sigilo - pagou em emendas individuais às vésperas da votação sobre transparência: 1,03 bilhão de reais, dinheiro que chegou à base de parlamentares pelo mecanismo do "cheque em branco". "Dos 229 deputados que disseram sim ao voto impresso, 131, isto é, 57%, obtiveram pagamento desse tipo de emenda no dia 2 de agosto, três dias antes de a matéria ser analisada em comissão especial", segundo o Estadão. Como disse Paulinho da Força, que calculava 150 votos e foi surpreendido pela quantidade final, "não foi o tanque que arrumou voto, foram as emendas".

O tanque, no caso, é uma referência à fumacenta parada militar na Praça dos Três Poderes que, na vã tentativa de intimidar a Câmara, acabou dando literalidade ao artigo "Jair Bolsonaro é a cortina de fumaça do sistema", publicado horas antes nesta coluna. Naquele mesmo dia, em outra ilustração da tese, Kássio Nunes Marques (indicado por Bolsonaro), Ricardo Lewandowski (por Lula) e Gilmar Mendes anularam todos os atos do juiz federal Marcelo Brêtas na "Operação E$quema S" e ordenaram o envio para a justiça estadual do processo sobre tráfico de influência no STJ e no TCU, aliviando a barra dos advogados de Lula (Cristiano Zanin e Roberto Teixeira) e da família Bolsonaro (Frederick Wassef, o famigerado hospedeiro de Fabrício Queiroz em Atibaia). A impunidade, como a PGR de Augusto Aras, une lulismo e bolsonarismo.

O Centrão não fica de fora da boiada. Lira ainda aproveitou o fumacê bolsonarista para colocar o bode do "distritão" na sala da Câmara e, em troca de sua retirada, aprovar, entre outras vantagens do agora bilionário fundo partidário, a volta das coligações, favorecendo legendas de aluguel e a eleição de candidatos com pautas até opostas às de puxadores de voto de partidos coligados, em detrimento da vontade do eleitor.

Mas o apogeu do descaramento ficou por conta de Ricardo Barros, o líder do governo Bolsonaro que, em depoimento à CPI da Pandemia, acusou a comissão de afastar fabricantes de vacina, mentira logo refutada pela farmacêutica chinesa CanSino, mas endossada tanto na sessão quanto no Twitter por Flávio Bolsonaro, cujo pai ignorou e recusou ofertas, em prol da imunidade de rebanho, defendida também por Barros.

"A CPI afastou os picaretas que queriam o dinheiro das vacinas, através de empresas fake, lobistas e funcionários do governo", rebateu Alessandro Vieira. "A CPI também mostrou que a tese equivocada da imunidade de rebanho atrasou criminosamente a vacinação dos brasileiros", acrescentou o senador, que também conseguiu no STF uma ordem para que Aras se manifeste sobre "reiteradas declarações" do presidente de que as eleições de 2018 foram fraudadas (em 12 milhões de votos, na nova versão) e que ele venceu no primeiro turno. "Não adianta tapar o sol com a peneira", concluiu.

Com Centrão no comando, inflação em alta, CPI em curso, atrasos do Ministério da Saúde no envio de doses de vacina a São Paulo, Rio de Janeiro e Pará, tentativa de legalizar pedalada de precatórios para turbinar o Bolsa-Família (outrora "bolsa-farelo") em ano eleitoral, avanço do caso da "rachadinha" de Flávio na Justiça do Rio, abertura de investigações no TSE por abusos de Jair Bolsonaro, inquérito no STF por quebra de sigilo de investigação da Polícia Federal sobre invasão hacker à corte, além da retomada do próprio inquérito sobre sua interferência na PF e da inclusão de seu nome no das fake news pelo relator Alexandre de Moraes, o presidente e seus filhos tentam desesperadamente tapar o sol com novas descargas de fumaça.

Bolsonaro encobre o patrimonialismo, o fisiologismo, os acordões e a inépcia da família com o reacionarismo aloprado que resultou na prisão de Roberto Jefferson, o condenado no mensalão do PT promovido a mártir da liberdade bolsonarista de aloprar.

Eis aí outra oportunidade cavada por um aliado para que o bolsonarismo mobilize suas massas de manobra, redobrando a aposta na retórica antissistema, focada em Barroso e Moraes, enquanto reabilita o sistema na prática.

É o "nós contra eles", quase todos "nós", da turma do "toma lá, toma lá".