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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Patriotismo" dos Bolsonaro é tão falso quanto seu "conservadorismo"

Colunista do UOL

04/09/2021 15h35

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O filósofo conservador britânico Roger Scruton explicava a importância da questão territorial para a ideia de pátria e como essa base comum é capaz de unir povos marcados internamente por diferenças religiosas, tribais e familiares. Para Scruton, a lealdade nacional "coloca diante dos olhos do cidadão, como o foco de seu sentimento patriótico, não uma pessoa ou um grupo, mas um país", "definido por um território, e pela história, pela cultura e pelas leis que tornaram esse território nosso".

Como exemplo de fracasso, ele citava a Somália, que "nunca desenvolveu o tipo de soberania secular, territorial e legal que torna possível a um país se moldar como um Estado-nação, em vez de um agrupamento de tribos e famílias concorrentes". "O mesmo é verdade para muitos outros países nos quais o Islã é a fé dominante", prosseguia o filósofo. "Mesmo que esses países funcionem como Estados, como o Paquistão, eles frequentemente fracassam como nações. Eles parecem não gerar o tipo de lealdade territorial que permitiria a pessoas de diferentes religiões, diferentes redes de parentesco, diferentes tribos viverem pacificamente lado a lado e também lutarem lado a lado em nome de sua pátria comum. Eles são mais propensos a lutar uns contra os outros pela posse da pátria do que a unir forças para protegê-la."

Jair Bolsonaro, que nunca leu Scruton, é mais propenso a transformar o Brasil em uma Somália ou um Paquistão, incitando sua tribo de reacionários aloprados a lutar contra o STF, o TSE e o Congresso para que a posse da pátria fique com a família dele, como o salário dos funcionários fantasmas de seus gabinetes. Em sua live semanal, o presidente promoveu como "demonstração gigante de patriotismo" a manifestação pró-governo do feriado e defendeu a participação de policiais militares (vedada pelo parágrafo 3º do artigo 8º do regimento disciplinar da PM), fazendo-se de sonso sobre o cunho político do ato: "Sete de setembro é um ato da Independência, todo mundo sai na rua."

Ao entregar no Senado o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes - relator do inquérito legitimado por Bolsonaro e seus apaniguados na AGU e na PGR -, o presidente já havia dito a bolsonaristas que "eu só posso fazer uma coisa se vocês assim o desejarem" e, no dia seguinte à live, ele deu um ultimato a Moraes e Luís Roberto Barroso em nome do "povo" brasileiro (embora a maioria rejeite seu governo, segundo as pesquisas): "Não podemos admitir que uma ou duas pessoas, usando da força do poder, queiram dar outro rumo ao nosso país. Essas uma ou duas pessoas precisam entender o seu lugar. O recado de vocês nas ruas, na próxima terça-feira, será um ultimato para essas duas pessoas... Quem dá esse ultimato não sou eu, é o povo".

D. Pedro foi aconselhado pela esposa, Maria Leopoldina, a declarar a Independência do Brasil após um novo decreto com exigências portuguesas chegar ao Rio de Janeiro em 2 de setembro de 1822. De viagem a São Paulo, ele recebeu a carta da princesa em 7 de setembro e logo seguiu seu conselho, às margens do Riacho Ipiranga, encerrando os 322 anos de domínio colonial exercido por Portugal. Para demonstrar força, Dom Bolsonaro del Centrão tenta mobilizar uma multidão de Marias Leopoldina, incitando cavaleiros andantes da segunda realidade a autorizar nas ruas sua aclamação como Imperador, como ele autorizou os filhos a imperar sobre as "rachadinhas" após ser traído pela então esposa e operadora do esquema Ana Cristina Valle, segundo o ex-empregado Marcelo.

O pai do denunciado Flávio e do investigado Carlos investe na colisão entre a 'dreampolitik' e a 'realpolitik', operando para que as narrativas do mundo dos sonhos bolsonaristas - onde "liberdades" englobam crimes de ameaça e incitação a crimes - forcem nova crise no mundo real, capaz de amedrontar seus "inimigos" ou justificar uma ruptura que lhe dê ainda mais poder de blindagem contra o avanço de investigações do STF, do TSE, da CPI da Pandemia e do MP do Rio, além do derretimento eleitoral.

Dom Bolsonaro conta com seus reacionários aloprados, que, assim como a esquerda revolucionária provocava policiais em protestos para posar de vítima das reações, ameaçam ministros e incitam invasões de prédios institucionais com o mesmo fim. A sorte da democracia é que a competência do presidente para planejar e executar um golpe de Estado tende a ser tão ínfima quanto para debelar as crises sanitária, ambiental, energética, orçamentária e inflacionária, que dirá a da moralidade pública.

Edmund Burke, o pai do conservadorismo, ensinou em carta de 1791 que a verdadeira liberdade está conectada ao caráter pessoal: "Homens são qualificados para a liberdade civil na proporção exata da sua disposição a colocar as correntes morais sobre seus próprios apetites - em proporção ao seu amor pela Justiça estar acima de sua rapacidade; em proporção à sua sobriedade de entender estar acima de sua vaidade e presunção; em proporção à disposição de ouvir os conselhos dos sábios e bons em detrimento da adulação dos canalhas. A sociedade não pode existir a menos que o apetite e a vontade de um poder controlador seja dominado; e quanto menos disso tiver em seu âmago, mais livre será. Está escrito na constituição eterna das coisas que os homens de mente intemperada não podem ser livres. Suas paixões forjam suas penas."

Dom Bolsonaro, que nunca leu Burke, é uma mente intemperada prisioneira de seus apetites, de sua rapacidade, de sua vaidade e presunção, da vontade de um poder controlador e da adulação em seu entorno. Seu patriotismo é tão falso quanto seu conservadorismo, porque o foco de seu sentimento alegadamente patriótico não é o país, mas sua pessoa e seu grupo, definidos por um território virtual e estatal sem correntes morais, onde ninguém aceita a aplicação das leis da primeira realidade, nem a perda de boquinhas, rachadinhas e foro privilegiado. O 7 de setembro bolsonarista é o dia da dependência dessa fantasia política.

A lealdade nacional se manifesta no dia 12, cobrando a pena do impeachment pelos efeitos deletérios de paixões tão vagabundas.