Topo

Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Lula se equipara a Deus

Colunista do UOL

15/02/2022 11h52

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Listo e comento abaixo comparações feitas por Lula entre ele e divindades.

1. Julho de 2010, Garanhuns, Pernambuco

Em ato de campanha pela eleição de Dilma Rousseff à presidência da República e Humberto Costa ao Senado, Lula disse:

"Se eu pudesse destacar uma imagem das facadas que eu tomei, e eu pudesse tirar a camisa, o meu corpo estava mais estraçalhado do que o corpo de Jesus Cristo depois de tantas chibatadas que ele tomou."

Resumo: Lula posou de vítima de facadas metafóricas, colocando-se, em matéria de violência sofrida, acima de Jesus, que sofreu chibatadas físicas. É uma forma hiperbólica de atribuir motivação maligna a toda e qualquer verdade inconveniente, crítica justa e responsabilização penal ao pretenso deus petista.

2. Setembro de 2016, Hotel Jaraguá, região central de São Paulo

Um dia após ser denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá - pelo qual viria a ser condenado em três instâncias, mas salvo por manobras jurídicas que levariam à prescrição -, Lula disse, cercado de integrantes do PT, do PCdoB e de movimentos de esquerda:

"Eu tenho uma história pública conhecida. Acho que só ganha de mim, aqui no Brasil, Jesus Cristo. Só."

Resumo: No auge da falsa modéstia a que chega Lula, ele se colocou imediatamente abaixo de Jesus em matéria de fama, mas acima de todos os brasileiros. Pelé, inclusive. É uma forma narcisista de explorar a seu favor o deslumbramento popular contemporâneo com figuras muito conhecidas, ainda que por razões nem sempre republicanas.

3. Março de 2017, 10ª Vara da Justiça Federal, Brasília

O juiz Ricardo Leite perguntou a Lula sobre o pecuarista José Carlos Bumlai ter usado seu nome para facilitar a contratação da Schahin Engenharia pela Petrobras, empresa da qual foram roubados 14 bilhões de reais, recuperados pela operação Lava Jato:

"Mas o senhor sabe se eles utilizam o nome do senhor? Porque o Salim Schahin e o Fernando Schahin confirmam que José Carlos Bumlai disse que Luiz Inácio Lula da Silva interveio na contratação da Schahin pela Petrobras."

Lula respondeu:

"Doutor, se o senhor soubesse quanta gente usa o meu nome em vão... De vez em quando eu fico pensado pras pessoas lerem a Bíblia pra não usar tanto o meu nome em vão."

Resumo: Lula se equiparou a Deus, usurpando Seu lugar em um mandamento cristão contido em Êxodo, capítulo 20, versículo 7: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em vão." Ao fazê-lo, naturalmente para se eximir de responsabilidade sobre a atuação de seus operadores, Lula descumpriu o mandamento mais uma vez, assim como todo petista condenado pelo mensalão e/ou pelo petrolão descumpriu o "não furtarás". José Dirceu e Delúbio Soares, por exemplo, foram condenados por ambos os escândalos e atualmente participam das articulações lulistas para a eleição de 2022, assim como o mensaleiro João Paulo Cunha.

4. Fevereiro de 2022, reunião do PT

Lula disse a petistas, segundo o UOL, que não acredita na possibilidade de uma terceira via se cacifar para disputar com ele ou Jair Bolsonaro a preferência dos eleitores:

"A humanidade acompanha há séculos a polarização entre Deus e o Diabo e nunca teve uma terceira via."

Resumo: Lula tenta fabricar no imaginário do eleitorado o maniqueísmo entre o Bem e o Mal, equiparando-se novamente a Deus e atribuindo a Bolsonaro o papel do Diabo que ele quer derrotar no segundo turno, porque prefere o presidente aloprado e desgastado como seu rival ao risco de enfrentar uma terceira via sensata em eventual ascensão. Por isso, busca martelar, inclusive na cabeça do eleitorado bolsonarista, a ideia de que não há nem nunca houve chance para uma alternativa ao "nós contra eles".

Como a propaganda populista, messiânica, megalômana e sacrílega de Lula obviamente ignora, Santo Agostinho (354-430), convertido ao cristianismo, combateu o maniqueísmo original, ou seja, a seita originada pelo persa Manés ou Mani (215-275) e divulgada com rapidez tanto pelo Oriente quanto pelo Ocidente em razão, entre outros fatores, da própria simplicidade com que apresentava e solucionava o problema do mal, que, assim, podia ser transfigurado em bem ou vice-versa, de modo ardiloso e obscuro.

"Agostinho, que aderiu ao maniqueísmo na sua juventude e durante anos se lhe conservou mais ou menos ligado, sem grande convicção aliás, acabou por se tornar o seu adversário mais forte e persistente, contra a seita combatendo durante toda a vida em obras que ainda hoje são actualíssimas, pois o dualismo é endémico", como sintetizou com precisão o magistrado e tradutor João Dias Pereira, em nota biográfica contida na edição portuguesa do clássico agostiniano A cidade de Deus.

Para combater o dualismo bolsolulista, endêmico no Brasil, a terceira via não precisa se equiparar a Santo Agostinho, mas, sim, refutar as alegações maniqueístas, como ele fez não como alguém de fora dos embates morais, mas, de dentro, "pela unidade da fé católica, pela verdade da mensagem cristã e pela ordem e paz que Roma nos legara".

"A única razão, hoje, pela qual o Lula está com esse percentual é que as pessoas querem se livrar do Bolsonaro", simplificou Sergio Moro. "O Bolsonaro faria um favor para o país se pegasse o boné e fosse para casa. Porque ele está elegendo o Lula." O ex-juiz da Lava Jato, porém, disse não acreditar em segundo turno com Lula e Bolsonaro, porque "o brasileiro não tem vocação para cometer suicídio". "É difícil comparar qual é o pior. A discussão não deve ser essa. A discussão é que existem alternativas melhores."

Sem dinheiro da elite chapa-branca, nem aliança com grandes partidos, Moro enfrenta o desafio de despertar a confiança do eleitorado na viabilidade eleitoral dessa alternativa, enquanto cobra de Lula que esclareça "o sítio de Atibaia, as palestras, que ele recebeu mais de 8 milhões de reais da Odebrecht"; e do PT, "o que foi a corrupção da Petrobras no governo dele".

Sua mensagem para a parcela não fanática dos eleitores bolsonaristas, que ele precisa atrair, é que votar em Bolsonaro no primeiro turno é fazer exatamente o que Lula deseja para vencer a disputa no segundo, sem jamais ter feito autocrítica pela roubalheira nas estatais e pelos financiamentos de ditaduras ocorridos em governos do PT, nem sequer ter repreendido publicamente os correligionários que foram pegos roubando.

"Mas se eu me criticar, o que quem se opõem a mim vai falar? Eles querem que eu fale bem de mim e que eu fale mal de mim também?", questionou Lula no Twitter.

Santo Agostinho, por exemplo, não apenas combateu a irresponsabilidade pessoal do maniqueísmo, que definia o pecado como algo de exterior ao homem, como também educou a humanidade para a responsabilidade individual por meio de suas Confissões.

"Autocrítica de quem roubou é pedir desculpas, devolver o que foi roubado e pagar na justiça pelos crimes cometidos", respondeu o ex-juiz, resgatando, na prática, a noção agostiniana. "O resto é papo furado de quem quer enganar os brasileiros novamente."

Lula então rotulou como "ridículo" o "papel" que Moro "está fazendo a cada entrevista" e disse que "aquele homem sem toga não vale nada". "O destempero do Lula confirma o que sempre pensei", rebateu o ex-juiz, um dia após celebrar como vitória o arquivamento decidido pelo STJ de um inquérito baseado em ilações sobre mensagens roubadas da extinta força-tarefa de Curitiba: "ele tem medo da Lava Jato e do que o meu projeto representa. Não preciso da toga para enfrentar ninguém. A verdade basta."

A verdade gera o ódio, explicava Santo Agostinho, porque muitos amam outra coisa em lugar dela e queriam tanto que ela fosse tal coisa que não admitem estar em erro. Lula, por exemplo, ama a divindade que forjou para si, a bajulação de seus devotos e o poder, mas, na verdade, é apenas um deus de araque que, de santo e inocente, não tem nada.