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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A guerra dos outros

Colunista do UOL

25/02/2022 19h55

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Sabe irmão que ameaça bater no caçula se ele contar aos pais que sofre bullying do mais velho?

"Se você contar, vai ser pior. E se contar de novo, vai ser pior ainda."

Vladimir Putin não é irmão. É o vizinho russo que faz bullying com arsenal de guerra.

Ele ataca e ameaça atacar os países em seu entorno que ousam buscar aliados para se defender dele mesmo: o autocrata reacionário de sanha imperialista.

Os bombardeios mortíferos na Ucrânia e o cerco das tropas a Kiev só confirmam que as vítimas precisavam e precisam de ajuda externa, ou vão cair uma atrás da outra em suas mãos, seja pelo achaque, seja pela guerra, seja pelos dois.

"Eu quero mais uma vez fazer um apelo ao presidente da Federação Russa. Vamos sentar na mesa de negociações e parar as mortes", disse o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sem aliados dispostos a entrar em conflito armado pela defesa do país.

"Não temos medo de falar sobre um status neutro, e não estamos na Otan no momento", frisou ele, em aceno a Putin. "Mas que garantias (teríamos) e, mais importante, quais países específicos nos dariam garantias?"

Otan e Ucrânia chegaram a flertar em 2008 e 2018, respectivamente quando a aliança militar ocidental prometeu que ela e outra ex-república soviética, a Geórgia, seriam admitidas um dia e quando a candidatura ucraniana se tornou oficial, embora nada, de fato, garanta a adesão do país. França e Alemanha, por exemplo, opuseram-se a ela, em grande parte para evitar atritos com a Rússia. Curiosamente, alegaram problemas persistentes de corrupção e a fragilidade do Estado de Direito na Ucrânia.

Se o Brasil precisasse dos democratas da Otan para se defender de eventual bullying dos vizinhos, nota-se que estaria lascado: problemas como esses não faltariam para justificar a recusa europeia. Mas, com Jair Bolsonaro na presidência e Lula na liderança das pesquisas, o país está mais alinhado é com os autocratas da vizinhança e de além-mar.

"É muito preocupante o apoio de Bolsonaro e do PT ao governo Putin", distinguiu-se Sergio Moro. "Eles apoiam o lado errado. O lado do agressor e do autoritarismo. Este não é e nunca será o lado escolhido pelos brasileiros. Somos pelo respeito à soberania da Ucrânia e de todos os países", escreveu no Twitter, defendendo "alinhar o Brasil ao lado da liberdade e das democracias", sem que a ideologia prevaleça sobre a realidade.

Nenhum dos dois rivais condenou diretamente a violação da soberania ucraniana pela Rússia.

Bolsonaro desautorizou o general Mourão, que havia criticado a invasão russa, e acabou virando alvo de nova cobrança dos EUA: "Não é tempo de ficar no muro. Todos os países devem condenar o ataque. A voz do Brasil importa", disse o representante americano em reunião do G7, Douglas Koneff.

Lula, que em 1979 disse admirar em Hitler "o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer", limitou-se a falar genericamente em paz, sem melindrar nem seus amigos ditadores, Nicolás Maduro e Daniel Ortega, que apoiam o fogoso Putin, nem petistas antiamericanos e seus aliados internacionais, que culpam os EUA pela guerra, como se avaliar novas adesões a blocos de cooperação defensiva equivalesse a bombardear quem não faz suas vontades.

"A minha mensagem para Volodymyr Zelensky é que ele deve decidir", disse o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, sobre um possível acordo com a Rússia para interromper a invasão. As portas da Otan continuarão abertas para os países que queiram ingressar nela, declarou o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, após sua homóloga russa, Maria Zakharova, ameaçar "consequências militares" se Suécia e Finlândia aderirem. A elas, fica o exemplo da Ucrânia, hoje entre a cruz e a espada, sem garantia de segurança.

Enquanto Putin explora a narrativa de que o país vizinho é um "irmão mais novo", que foi "desviado" pelo Ocidente e precisa de reintegração "familiar", o Ocidente condena o bullying do irmão mais velho, congela seus bens e corta parte de suas fontes de renda, mas deixa a vítima à própria sorte, já que não é seu pai.