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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

TCU x Lava Jato: como o sistema atropela análises técnicas

Colunista do UOL

20/07/2022 13h14

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Depois que a área técnica do Tribunal de Contas da União recomendou o arquivamento da investigação do pagamento de diárias e passagens a procuradores da Lava Jato, acatando as alegações da defesa e considerando regulares as contas, uma emissora de TV informou, com base em fontes no TCU, que a expectativa interna para o julgamento do caso relatado pelo ministro Bruno Dantas é por condenação e inelegibilidade de Deltan Dallagnol.

A notícia tinha de ser dada, claro. Mas o vazamento da informação é sinal de que aliados de Dantas, ou ele próprio, correram para reduzir o impacto, positivo à força-tarefa, do parecer de Angela Brusamarello e manter no ar a impressão de abusos.

Relembro trecho do meu artigo de 6 de junho sobre o relator, recordista ele próprio, no tribunal, de gastos com diárias e passagens:

"Nomeado por Lula para o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e por Dilma Rousseff para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o TCU, Dantas é o mesmo ministro que foi citado na delação do ex-governador Sérgio Cabral, recebeu mordomias do empresário Joesley Batista e compareceu com Renan Calheiros ao jantar inaugural da campanha do próprio Lula para as eleições deste ano.

Desqualificar membros da operação que resultou na prisão do petista e nas condenações de seu braço-direito, José Dirceu, entre outros correligionários e comparsas, é uma parte fundamental da estratégia do petismo para limpar a imagem do pré-candidato, executada não sem apoio dos demais atingidos direta ou indiretamente pela Lava Jato, todos eles também interessados em impedir que Dallagnol e Sergio Moro sejam eleitos.

A incorporação de narrativas políticas por tribunais compostos por apadrinhados serve não apenas para blindagem dos padrinhos, mas para legitimar aos olhos do eleitorado a estratégia partidária, gerando manchetes em telejornais exibidos para todo o Brasil."

A estratégia, como se nota, segue a todo vapor.

Para Dallagnol, a tendência no TCU a condená-lo, mesmo com dois pareceres contrários da área técnica, "é no mínimo escandalosa".

O ex-procurador escreveu no Twitter:

"Vão condenar por quê, se era legal? Vai se votar por política, para sacanear? Simples assim, porque não existem fundamentos jurídicos. Mesmo que haja condenação, não há inelegibilidade porque ela exige improbidade dolosa, o que não está nem em discussão, e sim suposta quebra de economicidade. Não tem malabarismo possível aí e, além disso, a própria Justiça barrará, como já decidiu, esse absurdo."

A Justiça Federal no Paraná havia suspendido o processo no TCU, considerando o procedimento "ilegal" e constatando que Dallagnol não foi o ordenador de despesas, nem "arquitetou o modelo de pagamento das diárias e passagens dos colegas".

O presidente do STJ, Humberto Martins, porém, correu para suspender a decisão, em alegada defesa da "liberdade de atuação fiscalizatória do tribunal de contas" em prol da "sociedade, que clama por uma proba aplicação dos recursos públicos".

Atualmente próximo da família Bolsonaro, em busca de uma vaga no STF, Martins é aquele ministro que abriu - e, depois de nada encontrar, teve de arquivar - um inquérito com base em suposto conteúdo de mensagens roubadas da Lava Jato por hackers.

Na ocasião, ele citou matérias que reproduziam, inclusive, diálogos sobre a delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, que atingiu seu filho, Eduardo Martins, e ele próprio. "O fato de Humberto Martins ter incluído este caso no seu inquérito recém-aberto indica que um dos objetos da investigação é apurar as razões pelas quais ele foi delatado", registrou O Globo na ocasião, como mostrei e analisei, em mais detalhes, no meu artigo "Lava Jato x Vaza Jato".

A vingança do sistema, por meio da dobradinha Dantas-Martins, vem atropelando, portanto, as análises técnicas de juízes e servidores concursados sobre a aplicação dos recursos em uma força-tarefa que recuperou(!) aos cofres públicos bilhões de reais roubados por criminosos.

A de Brusamarello é minuciosa. São 142 tópicos em 24 páginas.

Ela mostra que os órgãos competentes participaram de cada etapa de aval ao modelo adotado e aos seus incrementos, que seguiram "os ritos e regras vigentes", conforme a magnitude da roubalheira era revelada.

Segundo o parecer, "os documentos e os argumentos apresentados permitem concluir que era inviável que, desde o início, [os responsáveis] já tivessem conhecimento do extenso volume das investigações, da complexidade dos esquemas criminais que viriam a ser desvendados, das ramificações da corrupção nacional e internacional que surgiria, do volume de valores movimentados, entre outros".

"O que se observa é que a complexidade dos trabalhos é que exigiu do modelo, originalmente temporário e pontual, colaboração mais intensa e contínua."

Brusamarello destaca que não havia, "à época, qualquer exigência, legal, administrativa ou operacional de que as forças-tarefas fossem constituídas somente após a adoção de modelo econômico, análise dos custos que seriam incorridos durante os trabalhos e/ou proposição de limites para os valores que seriam auferidos por seus integrantes".

Isto, naturalmente, engessaria o combate à corrupção. Ademais, como argumentou a defesa, "não pode o administrador deixar de cumprir a lei para economizar".

"Se o valor das diárias dos membros do parquet é definido em lei, o PGR não poderia se sobrepor ao Legislativo. Se o afastamento do procurador de seu ofício implica a substituição por outro, a gratificação ao que atua em acúmulo é legalmente devida. O simples fato de o membro ter recebido valor, ainda que alto ou vultuoso, em razão de verbas legalmente previstas, não significa ofensa à economicidade. Ao fundamento de 'economizar' não poderia o gestor público alterar, modificar ou extinguir direitos de servidores de forma impositiva."

Brusamarello cita até o conceito de "economicidade" do Manual de Auditoria Operacional do TCU: "minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões de qualidade". Ela analisa ponto a ponto, documento a documento, e conclui que "os gestores implementaram medidas de racionalidade administrativa e de zelo compatíveis com os procedimentos e processos de trabalho do órgão para viabilizar a operação".

Para alguém, porém, como Dantas, que parte da premissa lulista de má qualidade da Lava Jato, nenhum gasto jamais terá sido justificável - que dirá de Dallagnol, de quem, pela fama, o relator simplesmente presumiu responsabilidade por função administrativa.

Para Brusamarello, "foge ao razoável exigir que, além do extenso, complexo e intrincado trabalho finalístico de oficiar, coordenar e executar as atividades da persecução penal", Dallagnol "desempenhasse gestão administrativa da força-tarefa".

"Segundo o manual da ESMPU já citado, o papel precípuo de um coordenador de força-tarefa era tão-somente o gerenciamento jurídico e processual do grupo e a gestão operacional (trabalho de campo)."

Já o papel precípuo do sistema, além de lavar a imagem dos alvos, é impedir qualquer possibilidade financeira e institucional de ressurgimento da Lava Jato.

A "economicidade" dessa gente custa muito mais caro ao Brasil.