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Manobras de indicados por Bolsonaro ao STF evitam prisão de ‘rachador’
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Manobras jurídicas de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ministros indicados por Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal, evitaram a prisão do deputado federal bolsonarista Silas Câmara (Republicanos-AM), que desviou recursos destinados aos pagamentos de assessores parlamentares, entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001.
Parte dos salários eram sacados das contas desses servidores e depositados em contas do secretário do deputado e do próprio parlamentar, também acusado inicialmente de ter nomeado para cargos públicos empregados particulares que seguiam prestando serviços privados para ele. Os casos são similares aos esquemas de Flávio e Carlos Bolsonaro, apontados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, e ao de Jair Bolsonaro com a caseira Wal do Acaí, na mira do MPF em ação de improbidade administrativa.
Investigações sobre os rachadões da família Bolsonaro ainda têm chances de avançar. A partir de 2023, fora da presidência, Jair não terá foro privilegiado no STF. Em abril de 2021, Carlos perdeu o dele, após o Supremo ter declarado inconstitucionais trechos da Constituição do Estado do Rio que beneficiavam vereadores com essa prerrogativa. Em julho de 2022, o MPRJ entrou com recurso no STF contra decisão da Justiça do Rio que havia rejeitado, em maio, a denúncia contra Flávio, depois de uma série de outras manobras que levaram à anulação de provas contra o filho 01 do presidente.
No entanto, a atuação de Nunes Marques e sobretudo Mendonça no caso de Silas Câmara, que terá de pagar apenas uma multa de R$ 242 mil determinada por Luis Roberto Barroso na véspera da prescrição, indica o repertório com o qual os Bolsonaro poderão contar, se os processos contra cada um deles forem julgados no Supremo. Isto sem falar no papel de Dias Toffoli, aliado do presidente em seu mandato e poupado da CPI da Lava Toga por pressão dele e de Flávio contra a criação da comissão no Senado.
Eis a cronologia, em resumo:
2/10/2010
Cerca de nove anos após os fatos investigados, os ministros do STF receberam, por unanimidade, denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Silas Câmara (então no PSC) pela prática do crime de peculato. Dias Toffoli, que havia pedido vista em 11 de março, acompanhou o relator do processo, o então ministro Joaquim Barbosa. "Não há nenhum dos motivos para se rejeitar essa denúncia, a meu ver", disse Toffoli. A PGR defendia uma pena de 12 anos de prisão ao parlamentar.
27/3/2019
Silas Câmara (então no PRB), deputado federal de sexto mandato, foi eleito presidente da Frente Parlamentar Evangélica. O jornal O Globo publicou, no mesmo dia, a matéria "Novo líder da frente evangélica na Câmara já foi condenado pela Justiça". A reportagem mencionou que ele respondia por ao menos cinco crimes diferentes.
Eis o trecho referente ao título:
"O político foi condenado pelo uso de documento falso e falsidade ideológica pelo STF em 2016. Em 1997, falsificou documentos para limpar o nome e alterar o contrato de uma empresa de que era sócio. O crime, porém, só foi julgado quando já estava prescrito. Apesar de condenado, a pena de oito anos de prisão não foi cumprida em razão da prescrição."
O jornal citou ainda o presente caso de peculato, embora o tenha atribuído a desvios na Assembleia Legislativa do Amazonas, quando, na verdade, ocorreram na Câmara dos Deputados. O que constava na peça acusatória do Ministério Público Federal era que dois secretários parlamentares do réu acumulavam ilicitamente outros cargos na Aleam.
27/11/2020
Dez anos após o recebimento da denúncia, o relator Luís Roberto Barroso e o revisor Edson Fachin votaram pela condenação de Silas Câmara por peculato a cinco anos e três meses de prisão em regime inicial semiaberto, perda do mandato parlamentar e "123 dias-multa, com valor do dia-multa fixado em 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, corrigidos monetariamente", ou seja: ressarcimento de mais de R$ 1 milhão.
Colocado em plenário virtual, onde os ministros depositam seus votos durante um determinado período, o julgamento era tratado como o primeiro precedente sólido do STF sobre episódios de rachadinhas.
Barroso constatou que foi montado um esquema criminoso de desvio de dinheiro público, utilizando-se de pessoas simples, com pouca instrução, que acabavam ficando com quantias irrisórias ao fim de cada mês, ao serem utilizados como "laranjas".
O ministro rejeitou a alegação de que não se trataria de dinheiro público, mas sim de recursos privados, uma vez que eram depositados nas contas bancárias dos secretários parlamentares. "De acordo com o esquema narrado e comprovado, a destinação à conta do réu já era prevista anteriormente. Assim, o trânsito na conta dos assessores era uma mera passagem para o seu destinatário final", explicou Barroso.
Ele e Fachin, porém, consideraram não haver provas suficientes sobre a acusação de que Silas nomeou, como servidores públicos, pessoas que lhe prestavam serviços domésticos de cozinheira, motorista e jardineiro.
28/11/2020
Kassio Nunes Marques pediu destaque no plenário virtual e adiou o julgamento, atendendo a uma solicitação que havia sido feita pela defesa do réu a Barroso, para que o processo fosse julgado no plenário físico.
13/12/2021
André Mendonça, ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União no governo Bolsonaro, participa de culto evangélico na Igreja Assembleia de Deus no Amazonas (Ieadam), em Manaus, três dias antes de sua posse como ministro do STF.
Em seu discurso, registrado em vídeo, ele agradeceu a Silas Câmara pelo "ombro amigo" ao longo de sua "caminhada" para chegar ao Supremo.
"[Quero] Agradecer a um homem que vocês enviaram para Brasília, que eu conheci há cerca de três anos, e que se tornou essencial durante a minha caminhada, previamente à indicação, e pós-indicação até a sabatina. (...) O pastor e deputado federal Silas Câmara foi um ombro amigo que Deus enviou através de vocês para que eu pudesse chegar aonde eu cheguei. Então meu muito obrigado, deputado pastor Silas Câmara."
16/12/2021
André Mendonça toma posse no STF como o segundo ministro indicado por Bolsonaro.
3/10/2022
Silas Câmara (Republicanos-AM) é reeleito deputado federal.
10/11/2022
Um ano após a manobra de Nunes Marques, o julgamento foi retomado no plenário físico, onde Fachin reafirmou seu voto, acompanhando o relator Barroso. Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber também acompanharam o voto do relator.
Nunes Marques divergiu, ao votar pela declaração de nulidade das provas e pela absolvição de Silas Câmara, alegando que a acusação não está suficientemente comprovada pelo MPF a ponto de justificar uma condenação.
O ministro afirmou que os depósitos apontados no relatório de análise de dados bancários foram pontuais, realizados em datas isoladas e esparsas, e insuficientes para apontar a regularidade do suposto esquema de rachadinha. A seu ver, eles poderiam ser pagamentos de empréstimos pessoais concedidos por Câmara a seus servidores.
Esta última foi precisamente a alegação pública de Jair Bolsonaro para justificar os depósitos de R$ 89 mil feitos para ele, na conta de sua esposa, Michelle, por Fabrício Queiroz e a esposa dele, Márcia Aguiar. Também foi a primeira alegação pública de Eduardo Bolsonaro, em dezembro de 2018, ao ser questionado sobre a movimentação bancária atípica do ex-assessor de seu irmão Flávio, que havia acabado de aparecer em lista do Coaf. Na ocasião, Eduardo disse que muitas vezes a relação de trabalho e amizade se mistura no gabinete e que ocorrem casos de empréstimo de dinheiro.
Receber recursos destinados a assessores e, caso descoberto o esquema, alegar que são apenas a quitação de um empréstimo anterior feito a eles em dinheiro vivo, mas jamais registrado, é o método tradicional de 'rachadinha' e de seu acobertamento retórico.
Como o voto de Nunes Marques parecia minoritário, porém, foi a vez de Mendonça adiar o julgamento, pedindo vista do processo a um mês da prescrição e deixando outros ministros estarrecidos, como mostra o vídeo da sessão transmitida pela TV Justiça.
"Esse processo nós incluímos em pauta em função de não deixarmos ocorrer a prescrição sem julgamento", disse a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber.
"A prescrição está em vias de ocorrer, a partir do dia 2 de dezembro", disse Barroso. "Essa denúncia foi recebida em 2010. Parece-me que houve tempo suficiente para essa providência, de modo que é lamentável que a Justiça assim proceda", disse Fachin.
"É a primeira vez que eu me deparo com os autos, então é lamentável que esteja há 20 anos tramitando esse processo", alegou Mendonça.
"A matéria estava no plenário virtual, os votos proferidos, conhecidos", rebateu Fachin, endossado por Rosa Weber.
"A matéria que está para ser decidida não é essa", disse Moraes, contestando a tentativa de Mendonça de dar um tempo para que o réu firmasse acordo com a PGR para pagar multa. "Vamos dar uma chance agora de confessar para retroagir a lei? Não foi essa."
"O pedido de vista está feito", insistiu Mendonça.
Em seguida, Dias Toffoli aderiu, dizendo que faria um pedido de "vista conjunta" para suspender a ação.
1/12/2022
Na véspera da prescrição, quando se encerraria o prazo para que o Estado pudesse punir o réu, Barroso se viu impelido a validar o acordo feito por Silas Câmara com a PGR de Augusto Aras, também indicado por Bolsonaro, após a sessão de 10 de novembro.
Por meio dele, o deputado do Republicanos confessa ter cometido rachadinha e se compromete ao pagamento de multa de R$ 242 mil para ter a ação contra ele encerrada.
"Embora entenda pelo não cabimento do acordo de não persecução penal após o recebimento da denúncia, as peculiaridades do caso concreto me levam a admiti-lo, em caráter excepcional. Diante da iminência da prescrição da pretensão punitiva, o acordo se apresenta como a via mais adequada para minimizar os prejuízos ao erário."
As manobras de Nunes Marques, Mendonça e Toffoli, além da PGR, evitaram, assim, a prisão de um bolsonarista pretensamente evangélico, mas rachador agora confesso.
Assista ao vídeo completo do episódio, com meus comentários: aqui.
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