Topo

Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O sistema só cuida de si

Colunista do UOL

24/05/2022 14h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

1.

As defesas de Arthur Lira e Jair Bolsonaro usam as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, articuladas pelo primeiro e sancionadas pelo segundo, para livrar cada um de denúncias do Ministério Público. No caso de Lira, de desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas, quando era deputado estadual. No caso de Bolsonaro, de ter mantido uma funcionária fantasma, Wal do Açaí, registrada em seu gabinete, quando era deputado federal. Ambas as acusações já foram detalhadas nesta coluna, nos artigos "Os rachadores do dinheiro do povo" e "Bolsonaro corrompe a moral cristã".

Mas, antes de analisar as alegações de cada um e o arquivamento de um processo contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, é preciso detalhar como chegamos até aqui.

Vamos assimilar juntos mais um capítulo ilustrativo do Brasil real.

2.

Em fevereiro de 2018, Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados, criou uma comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de reforma da Lei de Improbidade de 1992. A comissão era presidida pelo ministro do STJ Mauro Campbell, o favorito de Davi Alcolumbre para o STF. Assim como Ciro Nogueira defendeu o "nosso Kássio" para o Supremo sob o pretexto de ser seu conterrâneo no Piauí, o senador pelo Amapá defendia o ex-procurador-geral de Justiça do Amazonas, nascido em Manaus, como um representante da região Norte do país. Mas Alcolumbre não conseguiu driblar a Constituição para se reeleger presidente do Senado e perdeu poder de barganha, de modo que, mesmo aparecendo em listas de cotados por Bolsonaro, Campbell foi preterido.

Em agosto de 2021, como integrante do TSE, o ministro reduziria ainda mais suas chances de agradar o presidente, acompanhando o voto de Alexandre de Moraes no julgamento que reconheceu a inelegibilidade de uma ex-vereadora de São Paulo, Maria Helena Pereira Fontes, condenada por rachadinha. "O agente público que a pratica não só deve ser condenado por improbidade administrativa e na seara criminal, mas deve ficar inelegível nos termos da Lei da Ficha Limpa", diria Moraes, qualificando o esquema de apropriação de salários de servidores como uma "clara e ostensiva modalidade de corrupção, que, por sua vez, é a negativa do Estado Constitucional".

Em 2018, porém, Campbell buscava integrar na legislação a jurisprudência estabelecida pelo STJ ao tratar de processos que versavam sobre a Lei de Improbidade, a fim de "refinar sua aplicação". Entre os integrantes da comissão de juristas, estavam, por exemplo, Ney Bello e Rodrigo Mudrovitsch. Desembargador do TRF da 1ª Região, Bello é o nome agora definido por Bolsonaro como um dos seus próximos indicados ao STJ. Ele é apoiado por Gilmar Mendes, o avalista número 1 das escolhas do presidente para o Poder Judiciário. Já Mudrovitsch é o próprio advogado de Gilmar, indicado por Bolsonaro para um grupo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde deveria, como vimos aqui, ser impedido de julgar o caso do jornalista Rubens Valente.

Em outubro de 2020, o relator do PL 10.887/2018 na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), apresentou um parecer preliminar, considerando as propostas da comissão.

Em 17 de dezembro daquele ano, Bolsonaro incentivou a aprovação do projeto de lei relatado pelo petista: "Qualquer negocinho é improbidade administrativa. Temos obrigação de mudar isso, senhores parlamentares." Ele não explicou se colocar sua caseira por 15 anos na conta do povo, como se fosse servidora, era só um "negocinho".

Na noite de 1º de fevereiro de 2021, com apoio da base do governo no Congresso, Arthur Lira foi eleito presidente da Câmara, com 302 votos contra 105 do segundo colocado, Baleia Rossi (MDB-SP). Não era segredo para ninguém que Lira, condenado em duas ações por improbidade administrativa na Justiça de Alagoas, apoiava mudanças legislativas que poderiam beneficiá-lo. Na manhã daquele mesmo dia, inclusive, ao trazer à tona documentos usados pelo MP alagoano, o Estadão publicou:

"Enquanto ainda recorre da condenação, Lira é um dos líderes da Câmara que articulam o enfraquecimento da Lei de Improbidade, em um movimento apoiado pelo Centrão, pela esquerda e pelo líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), sob o pretexto de 'atualizar' a legislação, que seria muito dura com gestores públicos."

"Um dos pontos considerados graves por integrantes de órgão de investigação", destacava o jornal, "é o que acaba com a punição por violação aos princípios da administração pública, previsto no art. 11, um dos que levaram à condenação de Lira."

Este ponto constava no parecer preliminar apresentado por Zarattini. Depois das críticas recebidas, o petista reformulou o relatório para que fosse votado na comissão especial. Ele apresentou o texto final em 15 de junho de 2021. Lira, porém, decidiu retirar do colegiado o projeto de lei e levar a votação diretamente ao plenário. No mesmo dia, o plenário da Câmara aprovou, por 369 votos a 30, um requerimento de urgência para apreciação da matéria, contra o qual apenas Novo e PSOL votaram. No dia seguinte, 16 de junho, a Casa aprovou as mudanças na Lei de Improbidade por 408 votos a 67.

"Uns vão dizer que o que fizermos é açodamento. Outros vão dizer que é flexibilização. Vão sempre dizer alguma coisa", discursou Lira, antes da votação. "Mas o importante não é o que dizem. São os nossos atos. Se eles são benéficos para o país, se ajudam a melhorar a vida das pessoas." O importante é que o ato era benéfico para ele próprio.

O presidente da Câmara ainda festejou no Twitter a aprovação: "Não vamos nos pautar pela versão das redes sociais." Como ironizei na ocasião, a "versão" é toda dele.

3.

À exceção de Afonso Florence, ausente da sessão, todos os 52 deputados do PT votaram "sim" para as alterações, agora usadas pelas defesas de Bolsonaro e Lira.

Entre eles, além de Zarattini, estavam Alexandre Padilha, Arlindo Chinaglia, Benedita da Silva, Erika Kokay, Gleisi Hoffmann, José Guimarães, Maria do Rosário, Marília Arraes, Paulo Pimenta, Paulo Teixeira, Rui Falcão, Vander Loubet, Vicentinho e Zeca Dirceu, filho do mensaleiro José Dirceu, também condenado na Lava Jato, inclusive pelo STJ. Dos dez votos do PSOL, o único "sim" foi de Marcelo Freixo, hoje apoiado por Lula na disputa pelo governo do Rio. No PCdoB, os sete deputados votaram a favor, incluindo Jandira Feghali.

Junto com PT, Freixo e Jandira, além do tucano Aécio Neves, votaram os deputados bolsonaristas, entre os quais Bia Kicis, Bibo Nunes, Carla Zambelli, Carlos Jordy, Caroline de Toni, Daniel Silveira, Eduardo Bolsonaro, Filipe Barros, Hélio Lopes, Márcio Labre e Vitor Hugo, pelo PSL; Celso Russomano e Marco Feliciano, pelo Republicanos; e Osmar Terra, pelo MDB.

À exceção do ex-policial militar Guilherme Derrite, que votou "não", e dos ausentes André Abdon e Claudio Cajado, os deputados do PP de Lira deram os demais 37 votos a favor da proposta, um deles de Ricardo Barros, alvo de outras investigações. "Hoje, qualquer coisa é improbidade, e as penas são muito altas", havia dito o líder do governo na Câmara, de acordo com matéria do Globo de 7 de fevereiro de 2021.

Roberto Lucena (Podemos-SP), autor do PL original, votou contra o texto final, acusando o desvirtuamento de seu projeto em favor da impunidade. Dos dez deputados do Podemos, só o baiano João Carlos Bacelar Batista, aliado de Bolsonaro que migraria para o PV, votou "sim", assim como fez no caso do fundão de 5,7 bilhões de reais. Os oito deputados do Novo votaram "não", mas evitaram, como até hoje evitam, críticas mais duras ao bolsonarismo e à sua aliança com o lulismo no afrouxamento das leis. Diferentemente de Kim Kataguiri, que também votou "não" e apontou tudo isso, eles seguem a linha do financiador Salim Mattar, ex-secretário de Paulo Guedes.

4.

Em sessão de 29 de setembro de 2021 no Senado Federal, para onde a Câmara encaminhou o texto aprovado, Alessandro Vieira, parlamentar do Cidadania que depois migraria para o PSDB, deu o discurso mais incisivo:

"Esse projeto não é favorável à transparência, não é favorável à administração pública, não protege o bom gestor. Esse projeto, aprovado nos termos do relatório, vai arquivar instantaneamente processos que correm contra o senhor Arthur Lira, deputado presidente da Câmara. Instantaneamente, vamos mandar para o arquivo 40% das ações de improbidade que tramitam, inclusive de membros desta Casa."

Se considerarmos um período de oito meses após a aprovação, a estimativa do senador foi até generosa. O Globo publicaria em 21 de maio de 2022 a matéria "Nova lei de improbidade administrativa reduz em mais da metade ações contra agentes públicos".

"Eu tenho dificuldade de encontrar outra expressão que não seja vergonha", prosseguiu Vieira. "Dá vergonha você ver que está sendo votado um projeto em flagrante benefício daqueles que cometeram erros. Eu não posso negar que existem excessos por parte do MP eventualmente, por parte de Procuradorias eventualmente. Mas esses excessos têm tratamento adequado. Esses abusos devem ser coibidos pela lei que cuida disso. Ao trazer o prazo da prescrição intercorrente para um parâmetro tão baixo, a gente fulmina o direito de responsabilizar aqueles que erraram.

Eu faço novamente coro àqueles que apelam ao senhor relator, para que tenha o bom senso de revisar essa questão do prazo de prescrição, gravíssimo, sob pena de macular toda a imagem do Senado da República. Tem sido um esforço muito grande em recompor a credibilidade do Senado, em recompor a credibilidade do Congresso Nacional. Mas que credibilidade merece uma Casa que legisla no interesse daqueles que erraram? Que credibilidade merece?"

Nenhuma, respondi no rádio.

5.

Depois de passar pela CCJ do Senado, o projeto foi aprovado no plenário por 47 votos a 24. Novamente, a base bolsonarista se uniu ao PT. Flávio Bolsonaro, Márcio Bittar, Marcos Rogério e os líderes do governo Eduardo Gomes e Fernando Bezerra Coelho, entre outros, votaram juntinhos a petistas como Humberto Costa, Jaques Wagner, Paulo Paim e Paulo Rocha.

Seis dias antes da votação, em 23 de setembro, Márcio Bittar esteve em solenidade de um hospital de Rio Branco, no Acre, gerido pelo amigo dele Aleksandro da Silva, também presente. Foi para essa Santa Casa, acusada pelo MPF de usar um CNPJ alternativo para receber recursos de suas emendas, que o relator do Orçamento de 2021 enviou 11 milhões de reais do Fundo Nacional da Saúde. O evento e as homenagens no local "demonstram", segundo os procuradores, "que há promoção política" de Bittar e favorecimento à sua ex-esposa, Márcia, candidata a senadora pelo PL.

A ação civil pública, de março de 2022, pede a anulação do repasse. Ela aparentemente não menciona improbidade, mas convém notar as práticas de um parlamentar que votou pelo abrandamento da lei. As de Flávio e Coelho, por exemplo, nem é preciso repetir.

Com blindagem retroativa e preventiva, farras milionárias, como rachadinhas, e bilionárias, como orçamento secreto, ficam mais seguras no passado, no presente e no futuro.

6.

Também ficou mais seguro omitir-se enquanto brasileiros morrem.

No livro recém-lançado Sem máscara - o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos, o jornalista Guilherme Amado narra, entre outros episódios da pandemia no Brasil, os fatos que resultaram no processo contra o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

"A escalada de casos no Amazonas também ocorreu em meio ao surgimento da variante gama, conhecida como variante de Manaus. Dada a eficiente vigilância genômica no país, essa variante só foi descoberta em Tóquio, depois do retorno de quatro turistas. A variante de Manaus tinha mutações que a tornavam mais contagiosa e, pior, permitia a reinfecção de pessoas que já haviam pegado a doença. No Amazonas, a média móvel de mortes passou de doze, em 21 de dezembro [de 2020], para 55 em 11 de janeiro [de 2021], um crescimento de 358%.

(...) Enquanto Eduardo Pazuello e [a então secretária de Gestão do Trabalho] Mayra Pinheiro propagandeavam o kit cloroquina, o sistema de saúde colapsava. No dia [11 de janeiro] em que os dois desembarcaram na cidade, a empresa White Martins informou ao Ministério da Saúde que a explosão de casos de Covid fizera aumentar em seis vezes o consumo de oxigênio. Nesse mesmo ofício, a empresa disse que conseguiria produzir até três vezes mais oxigênio do que previa seu contrato de fornecimento, chegando a 28 mil metros cúbicos. O ministro e a secretária decidiram manter a peregrinação de médicos pelas unidades de saúde divulgando o tratamento precoce.

Em menos de 48 horas, aconteceu: acabou o oxigênio em diversos hospitais de Manaus. Só na noite do dia 13 para 14 de janeiro, dezenove pessoas morreram por falta de oxigênio. O desespero tomou conta dos profissionais de saúde, dos pacientes internados e de suas famílias. A sensação de morrer por falta de oxigênio é a mesma de ser asfixiado, uma das piores e mais cruéis maneiras de perder a vida.

Vídeos mostrando o desespero reinante logo viralizariam. Em um deles, uma enfermeira implorava por oxigênio. 'Pessoal, peço a misericórdia de vocês. Nós estamos em uma situação deplorável. Simplesmente acabou o oxigênio de toda uma unidade de saúde. Tem muita gente morrendo. Quem tiver disponibilidade, oxigênio, por favor, traga aqui', ela pedia, em soluços. Em outro, familiares e enfermeiros descarregavam cilindros que chegavam de outros estados. O presidente do Sindicato de Médicos do Amazonas, Mario Vianna, solicitava o envio de oxigênio para uma cidade que estava em 'estado de guerra'.

Era tarde. Entre 14 e 15 de janeiro, 31 pessoas morreram por falta de ar. A Justiça Federal determinou a transferência imediata para outros estados de todos os pacientes do Amazonas que poderiam morrer por falta de oxigênio. No mesmo dia, 235 pessoas começaram a ser deslocadas.

No dia 14, enquanto familiares buscavam comprar cilindros de oxigênio em outros estados ou clandestinamente, e médicos se dividiam para transportá-los em seus carros particulares, Bolsonaro fez sua live semanal com Eduardo Pazuello - os dois em Brasília. (...) Na manhã seguinte, ao deixar o [Palácio do] Alvorada, Bolsonaro saiu em sua própria defesa, em conversa com apoiadores. 'A gente está sempre fazendo o que tem que fazer. Problema em Manaus, terrível problema lá. Agora nós fizemos a nossa parte.' (...)

Mas o governo falhara, conforme o próprio Pazuello admitiria em 18 de janeiro. A White Martins avisara da iminente falta de oxigênio no dia 8 de janeiro, e por isso já naquele dia aviões da FAB tinham começado a transportar cilindros para Manaus, porém numa quantidade aquém da que se mostrara necessária. 'O consumo triplicou, quadruplicou, quintuplicou', diria Pazuello no dia 18, numa coletiva. Ao longo do mês, daria uma série delas para garantir que não tinha se omitido (...).

A revolta nas redes sociais com as mortes de Manaus forçou o procurador-geral Augusto Aras a pedir ao STF a abertura de um inquérito contra o ministro, para apurar se sua omissão contribuíra para o caos. O ministro depôs à Polícia Federal no dia 4 de fevereiro, do Hotel de Trânsito, onde ainda morava. Não foi uma conversa tranquila. Pazuello entrou em contradição com o que já tinha dito sobre o colapso de Manaus no dia 8 de janeiro e tentou mudar sua versão, dizendo que o documento nunca havia sido entregue oficialmente ao Ministério da Saúde, nem teria havido contatos informais com os funcionários da pasta. Ao STF, ele informaria que só teria sabido no dia 10. Haveria ainda uma terceira versão, disseminada pela pasta semanas depois, no fim de fevereiro, quando o Ministério enviou novo documento ao Supremo, dizendo que só soubera do colapso de Manaus no dia 17 de janeiro. O pico de mortes havia sido nos dias 14 e 15, mas, segundo o ministério, só no dia 17 eles souberam do problema."

O bolsonarismo, portanto, apelou para uma versão macabra do "eu não sabia de nada".

Mas não foi ela que blindou o ex-ministro da Saúde.

O juiz Diego Oliveira, da 9ª Vara Federal do Amazonas, teve de explicar que, apesar da "extrema gravidade" e da "comoção nacional" em torno do caso, a nova de Lei de Improbidade impede a condenação de agentes públicos por omissão.

O inciso II do artigo 11, que considerava crime "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício", foi revogado pelo Congresso.

"Ocorreu no caso sob exame verdadeiro abolitio criminis em razão de as condutas dos réus não serem mais previstas como ato de improbidade administrativa. Por conseguinte, não há alternativa, senão a rejeição da petição inicial", diz um dos trechos da decisão que indicam o esforço do juiz em eximir-se de responsabilidade sobre o que a legislação vigente o impele a fazer.

Ela exige que fique provado dolo, ou seja, intenção ou vontade explícita em cometer o ato tipificado, cujo fim deve ser o de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Em "Bananaland", como ironizou a infectologista Luana Araújo, ter contribuído para a morte alheia por omissão no fornecimento de oxigênio "é insuficiente" para render punição, porque é preciso "ganhar alguma coisa com isso".

"Boa ou ruim, a nova lei de improbidade administrativa foi democraticamente concebida pelo Poder Legislativo e ratificada pelo Poder Executivo, por meio da sanção presidencial, sendo estranho à função típica jurisdicional a adoção de interpretações ampliativas ou a prática de ativismo judicial", escreveu o juiz, com autocontenção.

7.

Eu, Felipe, posso dizer que os jabutis inseridos na lei são tão ruins para o país quanto os envolvidos na aprovação, incluindo as claques que até hoje encobrem a gravidade deles.

Só de comentários que fiz no rádio e ficaram disponíveis na internet, durante a tramitação e depois dela, destaco a listinha abaixo.

Em alguns deles, apontei que a exigência de comprovação de dolo fomenta a trapaça cometida à base do "se colar, colou" e defendida à base da falta de prova de intenção. Ou seja: uma legalização da trapaça cometida sem querer querendo.

4 de março de 2021 - Mudanças na Lei de Improbidade blindam políticos

16 de junho de 2021 - Sabotagem à Lei de Improbidade une lulistas e bolsonaristas

18 de junho de 2021 - Bolsonaro celebra a impunidade que implantou

[Meu trecho favorito, aos 7 minutos deste último: "Eles ainda alegam que isso vai atrair pessoas decentes para a política, porque a pessoa decente fica com medo de chegar à gestão pública, à gestão das estatais, inclusive, e acabar sendo acusada de improbidade administrativa. (...) Por causa disso, as pessoas decentes, então, não estão indo para a política. E olha quem está na política. Quem está na política são as pessoas que estão alterando essa legislação. Então é como se eles confessassem a própria indecência: 'Precisamos de mais pessoas decentes, porque a política está cheia de nós aqui.'"]

1 de outubro de 2021 - Alessandro Vieira aponta Arthur Lira como beneficiário da "Lei de Impunidade"

26 de outubro de 2021 - Bolsonaro ajudou PT e Centrão a aprovar Lei da Impunidade

6 de dezembro de 2021 - Lei da Impunidade começa a salvar maus gestores

23 de maio de 2022 - A farra da improbidade

8.

Assim voltamos às alegações das defesas de Arthur Lira e Jair Bolsonaro, uma dupla unida por interesses escusos em comum.

O atual presidente da Câmara tenta se beneficiar das novas regras de prescrição, segundo as quais os casos ficariam prescritos quatro anos após acórdão de segunda instância, marca que a ação contra o ex-deputado estadual de Alagoas já ultrapassou.

Ela foi aberta em 2011 e sentenciada em primeira instância em 2021. A decisão de segundo grau, confirmando as condenações, veio em 2016.

Em novembro de 2021, o ministro relator no STJ, Og Fernandes, determinou que as partes se manifestassem sobre possíveis efeitos das mudanças na lei de improbidade sobre o caso em andamento.

Em 17 de dezembro, Lira pediu que seja aplicada a prescrição intercorrente, com o consequente arquivamento do caso, como previu o senador Alessandro Vieira.

Questionado pela Folha, o advogado do ex-deputado estadual ainda disse que "a lei contempla a todos, não pode haver discricionariedade 'porque foi aprovada no período' [como presidente da Casa]. Senão, toda a Câmara estaria suspeita."

A "discricionariedade", na verdade, é de quem usa seus poderes políticos para "tratorar" a tramitação e articular a aprovação de uma lei em causa própria.

9.

Já a Advocacia-Geral da União, que defende Bolsonaro, alegou que o MPF "não foi capaz de demonstrar" a materialidade das condutas atribuídas ao então deputado federal e à Walderice Santos da Conceição.

"Naturalmente, nem de soslaio evidenciou o dolo específico em suas condutas", afirmou o órgão, apelando à nova lei defendida e sancionada pelo atual presidente da República. "A rejeição [da ação de improbidade], portanto, é a única alternativa compatível com as regras atualmente vigentes no ordenamento jurídico brasileiro."

A AGU também alegou que "o fato de a ré nunca ter estado em Brasília não passa de indiferente jurídico, já que as regras vigentes expressamente autorizam a prestação de serviços no Estado Federado de representação".

Como serviços de assessoria legislativa nunca foram prestados, o que ficou claro no interrogatório, a defesa se faz de sonsa: "Ademais, não há delimitação quanto à natureza dessas atividades, que devem ser apenas afins e inerentes ao respectivo gabinete."

O MPF reiterou que, como mostrou a investigação, "durante esses mais de 15 anos, Walderice nunca esteve em Brasília, não exerceu qualquer função relacionada ao cargo e ainda prestava, juntamente com seu companheiro, Edenilson Nogueira Garcia, serviços de natureza particular para Bolsonaro, em especial nos cuidados com a casa e com os cachorros de Bolsonaro na Vila Histórica de Mambucaba. Além do mais, apesar de expressa vedação, Walderice cuidava de uma loja de açaí na região."

As atividades "afins e inerentes" ao gabinete eram dar água aos cachorros e vender açaí.

10.

O sistema só cuida de si, parceiro.