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Fernanda Magnotta

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

EUA se retiram do Afeganistão depois de terem sido vencidos pelo cansaço

Governo americano avalia a retirada de todas as tropas americanas do Afeganistão - Getty Images
Governo americano avalia a retirada de todas as tropas americanas do Afeganistão Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

08/07/2021 04h00

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Os mais atentos às lições da história certamente reconhecem os "efeitos colaterais" da presença norte-americana no Afeganistão durante a Guerra Fria, quando, interessados em conter o avanço soviético, os Estados Unidos acabaram fortalecendo militarmente redes jihadistas locais.

Se, da ótica dos desafios do mundo bipolar, essa estratégia permitiu a conquista de seus objetivos mais imediatos naquele momento, por outro lado, favoreceu a estruturação de grupos como a Al-Qaeda e o Talibã, que culminaram na articulação que viabilizou os atentados terroristas de 11 de setembro sob a liderança de Osama bin Laden décadas depois. Esse foi um exemplo claro daquilo que aprendemos estudando relações internacionais desde o primeiro dia de aula: que, na política, não há amigos, mas interesses.

Passados vinte anos da invasão norte-americana ao Afeganistão, que ocorreu em resposta aos ataques de 2001, temos a sensação de estar testemunhando, agora, um outro ensinamento: de que superpotências não são invencíveis e - mais do que isso - que precisam, muitas vezes, reconhecer seus próprios limites.

Ao anunciar, nos últimos dias, que o Exército está perto de concluir sua retirada completa do Afeganistão ainda em 2021, o governo dos Estados Unidos reconhece o óbvio: que não pode mais conviver com o que sua presença representa.

Em 20 anos de ocupação militar, mais de 2 mil soldados estadunidenses foram mortos e cerca de 20 mil ficaram feridos. Do lado afegão, projeções e estudos falam em números ainda mais desoladores: podem ter sido mais de 100 mil mortos entre civis e membros das forças de segurança. Trata-se da guerra mais longa da história dos Estados Unidos e, possivelmente, é também a mais cara: custou quase US$ 1 trilhão aos cofres públicos do país.

As instituições afegãs não foram fortalecidas pela presença militar norte-americana nem o exército afegão se tornou apto a dissuadir o Talibã. Além disso, os Estados Unidos encontraram severas limitações em implementar medidas longevas de contraterrorismo. Enquanto os esforços do governo norte-americano se dividiam entre Afeganistão e Iraque, a Al-Qaeda seguiu existindo e outras redes também se estruturaram, como é o caso do Daesh, popularmente chamado de "Estado Islâmico", ampliando sua atuação em outras regiões do Oriente Médio.

Não à toa, a decisão de retirada das tropas é apoiada entre republicanos e democratas. Era uma intenção declarada de Trump e segue, agora, como uma prioridade de Biden. Para a maioria, no entanto, o assunto é incômodo e deixa um gosto amargo na boca. Não se trata do desfecho típico diante do encerramento de um conflito vencido; para muitos sequer poderia ser tratada como uma "missão cumprida".

Os Estados Unidos saem do Afeganistão cientes de que a instabilidade persiste, a violência recrudesce e o potencial de novas ameaças é real. Deixam o Afeganistão sob uma imensa nuvem de incerteza e insegurança. Ainda assim, o fazem por admitir que é urgente reposicionar interesses estratégicos.

No mundo de mudanças profundas e transformações sistêmicas, e, particularmente, diante dos riscos de um "imperial overstretch", para usar uma famosa expressão do professor Paul Kennedy, os Estados Unidos não tiveram outra alternativa senão rever o esquema tático.