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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Um ano de Biden nos EUA: grandes ambições, resultados discutíveis

Colunista do UOL

20/01/2022 04h00

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Um famoso dito popular apregoa que "a expectativa é a mãe da frustração". Segundo esse ponto de vista, as desilusões são potencializadas sempre que precedidas de uma elevada carga de otimismo. Parece o caso quando promovemos um balanço da gestão de Joe Biden ao completar um ano a frente do governo dos Estados Unidos.

Biden chegou ao poder com aprovação perto de 60%. Um ano depois, está na casa dos 40%. Comparado aos antecessores, essa marca só não é pior do que a do ex-presidente Donald Trump, que perdeu cerca de 10 pontos percentuais desde o dia de sua posse até completar um ano no cargo, alcançando por volta de 35% de aprovação nessa ocasião, segundo dados da Gallup. Os números de Biden são consideravelmente piores do que de Barack Obama e George W. Bush e particularmente preocupantes para um presidente de primeiro mandato, que terá que enfrentar eleições legislativas em 2022 e a tentativa de reeleição no pleito de 2024.

As decepções com Biden estão concentradas em basicamente 05 frentes: controle da pandemia, rumos da economia, avanços na agenda social, dinâmica política da Casa Branca e inserção internacional.

No que diz respeito à covid-19, os resultados da gestão democrata são, a princípio, positivos. Segundo o Our World in Data, mais de 70% da população norte-americana está vacinada com ao menos uma dose, enquanto cerca de 63% encontram-se totalmente imunizados. Crianças acima de 05 anos podem se vacinar nos Estados Unidos. Além disso, mais de 80 milhões de doses de reforço já foram administradas e testes rápidos gratuitos, e realizados em casa, estão disponíveis.

Apesar do êxito na política de distribuição de vacinas, no entanto, as variantes delta e, mais recentemente ômicron, ofuscaram a tentativa de Biden de declarar, no 04 de julho de 2020, a "independência do vírus". Como resultado da nova onda pandêmica, e diante dessa declaração precoce, o apoio popular às medidas anti-covid do governo caíram de 69% para 44,7% em poucos meses, segundo levantamento do projeto Five Thirty Eight. Ademais, Biden não conseguiu impor uma política de vacinação compulsória, que enfrentou forte oposição em regiões conservadoras do país. Também perdeu, na Suprema Corte, o direito de tornar a vacinação obrigatória nas grandes empresas. Os Estados Unidos somam mais de 870.000 mortes pelo coronavírus até o momento.

Do ponto de vista econômico, por sua vez, a gestão democrata também enfrenta um momento delicado. Biden tenta enfatizar, como sinal de sucesso do governo, que foi capaz de aprovar planos trilionários que impediram o país de mergulhar em uma recessão, o que é verdade. Sob sua gestão houve a aprovação de um plano de resgate econômico de US$ 1,9 trilhão e, posteriormente, um pacote de US$ 1,2 trilhão para investimentos em infraestrutura. Como resultado, a economia norte-americano reagiu. Wall Street respirou aliviada e houve um recorde na criação de mais de 6 milhões de novos postos de trabalho. Além do desemprego, que caiu, ficando em apenas 3,9% em dezembro de 2021.

Apesar disso, a inflação chegou a 7%, ultrapassando o teto determinado pelo FED, o Banco Central dos Estados Unidos, e atingindo a maior marca em 40 anos. Como consequência, o grande projeto de Biden, o "Build Back Better", um programa de elevados gastos sociais e sob o qual repousa boa parte de seu legado, não conseguiu avançar no Senado, o que representa uma perda significativa para o governo.

Como um desdobramento, os impactos chegam à pauta social, que envolve o combate à desigualdade, além de questões raciais e de gênero. No último ano houve muitos acenos e movimentos simbólicos do governo Biden para demonstrar seu compromisso com essas temáticas. Apesar disso, as cobranças não param de crescer, assim como o descontentamento de parte da ala mais progressista do partido democrata. Diversos projetos de lei envolvendo imigração, mudanças climáticas, controle de armas e aborto seguem sem progresso e, o principal deles, eleito como prioridade por Biden, envolvendo a reforma eleitoral, sofreu recente revés no Senado.

Quando o assunto é a dinâmica política da Casa Branca, muita polemica também marca o primeiro ano de Joe Biden no poder. Parte dos analistas políticos e da oposição republicana criticam o fato de Biden não parecer disposto a ocupar a residência oficial initerruptamente, já que ele tem voltado para sua residência nos fins de semana. Também chama a atenção que em seu primeiro ano no cargo, o presidente tenha realizado apenas 06 coletivas de imprensa solo.

Do ponto de vista mais substantivo, abundam especulações sobre o perfil centralizador do presidente e certo viés tecnocrático. O relacionamento com a vice-presidente Kamala Harris já foi objeto de muita discussão na imprensa norte-americana e nos corredores de Washington. Já falamos sobre isso nessa coluna, inclusive.

Por fim, em matéria de inserção internacional dos Estados Unidos, o balanço também é ambíguo. Biden cumpriu a promessa de re-sintonizar a política externa do país às suas tradições, resgatando o compromisso multilateral e buscando melhorar o diálogo com aliados históricos. Biden reverteu decisões de Trump sobre o Acordo de Paris e a saída da OMS, por exemplo. Buscou distensionar as relações com os parceiros da OTAN e tentou lançar os Estados Unidos como uma liderança comprometida com a democracia e o meio-ambiente.

Apesar dos acenos transformacionais, no entanto, alguns episódios eclipsaram a percepção de Biden como um presidente de efetivas rupturas em política externa. O problema migratório na fronteira persiste e ganha novos contornos. O enfrentamento com a China e a Rússia são crescentes e sem perspectiva de melhoras. Os entraves com Irã também permanecem, ao mesmo tempo em que a Coreia do Norte continua a testar seus mísseis. Para coroar tudo isso, o primeiro ano de Biden ficará, para sempre, marcado pela saída caótica do Afeganistão, outra situação em que o interesse por utilizar de uma efeméride como marco (nesse caso, os 20 anos do 11 de setembro), levaram o presidente a uma ação atabalhoada e que rendeu baixas para os Estados Unidos, além de uma crise internacional de credibilidade.

É verdade que, em parte, as frustrações têm a ver com circunstâncias que estão além do controle do presidente, mas, como sabemos, em política, isso perde força rapidamente. A herança de Biden pode ser considerada, de fato, maldita e a maré do acaso muitas vezes não foi favorável ao democrata. Ainda assim, não é possível ignorar suas reponsabilidades e o peso de certas escolhas. Biden foi, em ocasiões-chave, um presidente ansioso. Como Trump, tentou produzir um legado por meio de manchetes e chavões. O resultado é que, diante disso, todos os balanços tendem a ser cruéis.