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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Crise entre Rússia e Ocidente reforça dificuldades de um pivô para a Ásia

28.jun.2021 - O presidente russo, Vladimir Putin, realiza uma reunião por videoconferência com o presidente chinês Xi Jinping no Kremlin, em Moscou - Alexei Nikolsky/Sputnik/AFP
28.jun.2021 - O presidente russo, Vladimir Putin, realiza uma reunião por videoconferência com o presidente chinês Xi Jinping no Kremlin, em Moscou Imagem: Alexei Nikolsky/Sputnik/AFP

Colunista do UOL

03/02/2022 10h32

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Desde o início deste século, temos ouvido, sistematicamente, que "o futuro pertence à Ásia". Isso tem a ver, principalmente, com as mudanças na arquitetura econômica internacional das últimas décadas e, sobretudo, com a ascensão chinesa. Com crescimento consistente na casa de dois dígitos, a China era considerada o mais expoente dos BRICs já em 2001, quando da criação desse acrônimo. Dez anos depois, se tornou oficialmente a segunda maior economia do mundo, com projeções que, naquele momento, sugeriam uma superação dos Estados Unidos em cerca de 15 anos.

Sem surpresa, portanto, ao final de 2009 e início de 2010, uma nova estratégia para lidar com a China começou a ganhar força no Ocidente. Essa abordagem propunha uma conduta mais rígida, incluindo aproximação com países da região da Ásia-Pacífico que se sentissem desconfortáveis com o crescente poder chinês. Liderado pelos Estados Unidos de Obama e seus aliados, naquela época, esses movimentos se tornariam conhecidos como a política do "pivô para a Ásia". Tratava-se de um novo enfoque diplomático, militar e econômico visando construir um "reequilíbrio" para aquela região do mundo, à luz dos interesses das potências estabelecidas.

Na prática, assistimos, desde então, uma série de medidas tomarem forma: a tentativa de esvaziar fóruns liderados pela China, fortalecendo estruturas regionais alternativas (ASEAN versus East Asia Summit e aproximações da APEC); o aumento do número de visitas diplomáticas, principalmente norte-americanas, à região; a criação de fóruns específicos com países chave no entorno da China; a ampliação do envio de ajuda externa; o reforço de laços de defesa entre os Estados Unidos e outros países em toda a região; e a tentativa de promover o livre comércio e o investimento internacional por meio de acordos, como era o caso do TPP (descontinuado pela gestão Trump).

Desde que passou a figurar no discurso oficial, o "pivô para a Ásia" é cercado de muita polêmica e de inúmeras críticas. A implementação dessa visão esbarrou em várias dificuldades concretas. Encontrou limites na "super extensão imperial" dos Estados Unidos, para usar uma expressão típica de Paul Kennedy, e serviu para agravar inseguranças de países da região e alimentar certa agressividade por parte dos próprios chineses.

À luz dos conflitos que se impõem agora no início de uma nova década do século XXI, essa estratégia também parece falha por ter se mantido centrada quase que exclusivamente na China, menosprezando o papel da Rússia naquela região do mundo, e tudo o que implica a defesa dos interesses do Kremlin.

A política externa russa está pautada, claro, em buscar a modernização econômica, bem como garantir a segurança nacional, a soberania e a integridade territorial (com foco em conter a expansão da OTAN), mas, mais do que isso, é explícita em anunciar a consolidação da Federação Russa como um centro de influência no mundo atual.

A Rússia optou por abraçar a multipolaridade e apoiar-se nela para defender uma ideia conveniente ao governo Putin: que existem múltiplos modelos de desenvolvimento e de organização política, e que, portanto, é possível reconhecer diversas formas de se exercer liderança e legitimidade. Com isso, apesar das rivalidades pontuais, encontra na China um curioso aliado contra a agenda do Ocidente.

Há inúmeras "Ásias". "Ásias" que coexistem - disso já sabemos. Trata-se de uma região extensa e de características variadas. Inclui, em si, boa parte das contradições de nosso mundo contemporâneo, em que convivem a lógica da velha geopolítica e dos novos negócios, das potências "submergentes" e das "emergentes", como têm sempre dito os especialistas. Para todas elas, parece simplista pensar que a solução do Ocidente esteja em um "pivô" pautado no "todos contra um". Reconhecer a complexidade da região é parte importante do processo de definir meios para lidar com ela. A Rússia está aí para relembrar a todos dessa lição.