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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A Guerra na Ucrânia está longe do fim

01.abr.2022/ Um soldado ucraniano sobre os destroços de um tanque russo queimado fora da vila de Mala Rogan, a leste de Kharkiv - SERGEY BOBOK / AFP
01.abr.2022/ Um soldado ucraniano sobre os destroços de um tanque russo queimado fora da vila de Mala Rogan, a leste de Kharkiv Imagem: SERGEY BOBOK / AFP

Colunista do UOL

02/04/2022 07h08

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Sylvester Stallone, ao interpretar o lutador Rocky Balboa em um de seus filmes, popularizou a frase: "só acaba quando acaba". No contexto de um boxeador, trata-se de um convite à resiliência, claro. Um estímulo para que os players não desistam precocemente de um combate.

Em termos mais amplos, no entanto, esse também é um chamado à parcimônia e à sobriedade, aspectos cuja relevância transborda para muito além das fronteiras desportivas. Vale para diversos momentos da vida e, certamente, para o que estamos vendo acontecer na Ucrânia agora.

O volume de assuntos em pauta e a premência de outros temas fizeram, principalmente no Brasil, com que a cobertura midiática reduzisse a ênfase no conflito do leste europeu. Simultaneamente, de tempos em tempos, chegam notícias que parecem apontar para avanços nas negociações entre Rússia e Ucrânia. A combinação entre esses dois fatores faz com que o observador mais otimista deduza que estamos muito próximos do fim dessa guerra. Talvez não seja bem assim.

Não é desprezível que as rodadas de diálogo diplomático estejam sendo consistentemente mantidas. Também é importante haver declarações das lideranças apontando para uma lista de demandas e concessões mais concretas, pois esse é o ponto de partida de toda negociação. De mesmo modo, é salutar o alinhamento de medidas de curto prazo, como a preservação de corredores humanitários e a diminuição da investida militar em determinadas cidades.

Isso, no entanto, é muito pouco para o que esse conflito significa. Há informações cruzadas que não podem ser ignoradas e para as quais o olhar atento é fundamental.

Ao mesmo tempo em que surgem promessas de desengajamento militar na capital Kiev, também chegam denúncias de que isso não passaria de uma reorganização estratégica com vistas ao aumento posterior de capacidade ofensiva. É o que aponta a inteligência de Estados Unidos e Reino Unido. Foi o que disse o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, há poucos dias: "as forças russas não estão se retirando, mas se reagrupando na Ucrânia". Aqui, portanto, parece o início de uma nova fase do conflito.

Também é digno de nota que o volume de acusações mútuas segue enorme. Seguimos imersos em tentativas de incriminação de todo tipo, dos dois lados. Apenas na última semana, as discussões envolveram ataques em instalações consideradas sensíveis, tentativas de fomentar polarizações, denúncias do uso de exércitos mercenários, queixa de bloqueios ao resgate de civis, relatos de estupro perpetrado por militares em serviço, ataques com bombas de fragmentação, uso de minas terrestres e navais, além de deportações ditas ilegais. Também assistimos a mudanças de lideranças no setor de segurança dos países, incluindo demissões e substituições de funcionários de alto escalão. Aqui, por sua vez, está claro que persiste a incerteza e a insegurança.

Por fim, é importante ter em mente que pesquisas de opinião pública realizadas na Rússia dão sinais de que a maior parte da população daquele país apoia o governo Putin e sua atuação no conflito. Ao mesmo tempo, na Ucrânia, o presidente Zelensky afirma que qualquer acordo com a Rússia vai passar, necessariamente, por consulta popular. Aqui, por fim, as forças domésticas parecem ditar um timing que desfavorece a agilidade de qualquer saída negociada.

Sabemos que, em matéria de conciliação, a força que define sucesso ou o fracasso é a capacidade dos interlocutores em afastar-se de suas posições para centrar-se em seus interesses. Dizem os especialistas, como William Ury, Roger Fisher e Bruce Patton, do Programa de Negociação de Harvard, que quanto mais alguém se apega a uma posição e a defende de ataques, mais comprometido fica com ela.

Em circunstâncias desse tipo, geralmente os atores começam o diálogo em posições extremas e ao agarrarem-se a elas teimosamente, minam qualquer possibilidade de entendimento. A saída diplomática, portanto, se transforma em um concurso de vontades. Pior ainda é quando um dos lados, diante da intransigência da negociação, se curva aos rígidos desejos do outro, deixando de lado suas próprias preocupações. O resultado, nesse caso, costuma ser ira e ressentimento.

As conversas entre Rússia e Ucrânia avançaram consideravelmente em matéria do objeto em disputa. Hoje, pouco mais de um mês do primeiro ataque, temos claras as definições de interesses, dos pontos de resistência e de alternativas possíveis. Já falamos sobre eles anteriormente por aqui, inclusive.

Apesar disso, seguimos com problemas quando o assunto é o dilema da confiança. Para construir saídas diplomáticas, em política internacional, é necessário que as partes confiem umas nas outras e trabalhem com afinco para estabelecer e manter essa confiança. Esse processo passa por acreditar que as necessidades mútuas são legítimas e por cumprir os acordos firmados.

Mesmo que um cessar-fogo venha a ser anunciado a qualquer momento e o mundo entre em euforia pelo dito "fim da guerra", eu seguiria cética e apegada à sabedoria de Rocky: "só acaba quando acaba". Até esse momento, não há sinais objetivos que permitam concluir que vai ficar tudo bem no leste europeu, infelizmente.