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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ególatra, Trump trata como seu o que é de todos e atinge instituições

10.ago.22 - Donald Trump ao deixar a Trump Tower a caminho do depoimento - DAVID DEE DELGADO/REUTERS
10.ago.22 - Donald Trump ao deixar a Trump Tower a caminho do depoimento Imagem: DAVID DEE DELGADO/REUTERS

Colunista do UOL

13/08/2022 16h32

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Email inválido

Nos últimos dias, a casa de Donald Trump, na Flórida, foi alvo de buscas do FBI. Trump teria levado documentos oficiais, alguns deles classificados como ultrassecretos, da Casa Branca para sua residência pessoal em Mar-a-Lago.

Suspeita-se, deste modo, que Trump tenha violado a Lei de Espionagem, que proíbe a retenção não autorizada de informações de segurança nacional, informações essas que possam colocar o país em risco. Além disso, o ex-presidente é acusado de ter destruído materiais oficiais do governo e é investigado, portanto, por obstrução de justiça. Nos Estados Unidos, pessoas condenadas por esses crimes, considerados graves, podem passar mais de 30 anos na prisão.

Antes que digam que se trata de implicância contra o republicano, algumas informações importantes:

1) o diretor do FBI Christopher Wray, responsável por ordenar as buscas, foi nomeado pelo próprio presidente Trump, quando no exercício do cargo;

2) Trump foi, pessoalmente, responsável por ampliar o rigor das punições para violações de sigilo de documentos sensíveis do governo;

3) mais de 20 caixas de provas foram levadas pelo FBI da residência de Trump durante a busca da última semana;

4) Trump já havia sido acionado formalmente para entregar tais documentos sob sua posse à Justiça, mas não o fez;

5) no começo do ano, o ex-presidente já tinha devolvido ao Arquivo Nacional cerca de 15 caixas de material que levou indevidamente para casa.

Desde o episódio mais recente, Trump tem repetido que invadiram seu resort e violaram sua privacidade e seus direitos constitucionais. Enviou emails para toda a base de apoiadores alegando que estaria sofrendo perseguição política e que, como presidente, removeu o sigilo dos documentos em questão antes de deixar o cargo, o que ajudaria a relativizar as acusações, segundo ele.

Nada disso, porém, exime Trump do que é mais grave: tratar como seu aquilo que é de todos. Foi amplamente registrado pela imprensa, ao longo dos últimos anos, que Trump habituou-se a se referir a documentos do governo norte-americano como "meus" e que se referia ao FBI como "minha inteligência". Não é apenas uma questão de linguagem; trata-se de uma convicção profundamente arraigada de que o Estado serve a ele e não o contrário.

Trump elegeu-se presidente, em 2016, enfatizando dois mantras:

  • Dizia que seria o presidente responsável por "drenar o pântano de Washington" dos interesses de uma elite corrupta.
  • Dizia também que Hillary Clinton, sua então adversária de campanha, deveria ser presa imediatamente por ter usado um servidor de e-mail particular durante sua gestão como secretária de Estado, de 2009 a 2013, para tratar de assuntos oficiais. Nos comícios de Trump, a multidão, eufórica, costumava ecoar incansavelmente os conhecidos "drain the swamp" e "lock her up".

Anos depois, Trump acumula incontáveis processos na Justiça. Além dos impeachments que enfrentou, lida com acusações ligadas às finanças de suas empresas e ao pagamento de seus impostos, por desdobramentos ligados às falsas denúncias de fraude nas eleições de 2020, pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, além de alegações de estupro e difamação, entre outros.

Todos os que acompanham Trump há mais tempo conhecem bem seu perfil transacional e imediatista. Também são sensíveis ao seu aspecto ególatra e tendências autoritárias. Seu comportamento está certamente distante do que os filósofos gregos defenderiam como a base da ética clássica: moderação dos apetites e controle das paixões.

Em mais um episódio, Trump reforça o que temos dito recorrentemente: que a crise da democracia, neste século, está no esforço sistemático de certas lideranças em abalar o crédito das instituições e tentar destruir a harmonia entre os interesses individuais e os interesses coletivos.