Topo

Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Governo Lula será amigável com os EUA, mas há percalços à vista

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos EUA Joe Biden - Carl de Souza e Mandel Ngan/AFP
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente dos EUA Joe Biden Imagem: Carl de Souza e Mandel Ngan/AFP

Colunista do UOL

03/12/2022 14h34Atualizada em 03/12/2022 14h34

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Desde a divulgação dos resultados eleitorais no Brasil temos acompanhado o entusiasmo do governo norte-americano em manter a interlocução com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Joe Biden foi um dos primeiros líderes estrangeiros a reconhecer a vitória de Lula, em 30 de outubro, manifestando-se pouco menos de 40 minutos após o encerramento da apuração. No dia seguinte, em ligação telefônica, Biden parabenizou o brasileiro pessoalmente e elogiou a força das instituições democráticas do país.

Dias depois, no começo de novembro, Lula se reuniu com John Kerry, enviado especial para o clima dos Estados Unidos, durante a COP 27. Enquanto isso, as movimentações em Brasília dão conta de que o governo norte-americano deve enviar uma comitiva grande para a posse, podendo incluir figuras proeminentes como a vice-presidente Kamala Harris e/ou o secretário de Estado Antony Blinken.

A notícia mais recente, confirmada pela Casa Branca, é de que parte do primeiro escalão do governo Biden - incluindo Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional, e outros oficiais do departamento de Estado deverão se encontrar com Lula e designados da equipe de transição, além de membros do atual governo brasileiro nessa segunda-feira. Os temas centrais do encontro serão, segundo a nota oficial: mudança climática, segurança alimentar, promoção da inclusão e da democracia, bem como imigração regional. Há expectativas de que Lula e Biden também se encontrem em um futuro próximo, mas ainda sem data definida.

É importante ter claro que as relações políticas e econômicas entre os dois países são profundas e amplas. Estamos falando das duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental. O Brasil é a décima segunda maior economia do mundo e os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. O pragmatismo econômico, antes de tudo, convém aos dois países e os interesses pró-business costumam pressionar por estabilidade e previsibilidade, independente do grupo que ocupa o poder.

Além disso, há muito espaço para diálogo estratégico, sobretudo no que tange a crescimento econômico, proteção do meio ambiente e cooperação em defesa e segurança. Brasil e Estados Unidos têm espaço para ampliar parcerias comerciais e dinamizar os investimentos bilaterais. Podem também estabelecer mecanismos de alto nível para tratar de preservação ambiental e traçar um plano para o estabelecimento de redes de infraestrutura que favoreçam a economia verde e de baixo carbono nos dois países. No campo da defesa, além de investir no fortalecimento da cooperação convencional, é possível encontrar meios para alavancar a transferência de tecnologia e aumentar a cooperação científica.

Sem surpresa, portanto, é esperado que movimentações devam ocorrer não somente no campo político e burocrático nos próximos meses, mas também pela diplomacia presidencial, já que estamos falando de dois líderes que que se conhecem bem e que tem disposição para tanto.

Apesar das esperadas relações amistosas com os Estados Unidos, como ocorreu, inclusive, nos governos Lula do passado, é preciso ter no horizonte algumas agendas sensíveis com possíveis tensões. Entre as principais:

  1. Aquelas que envolvem parceiros dos BRICS, especialmente China e Rússia (incluindo o posicionamento sobre a Guerra na Ucrânia);
  2. O processo de adesão à OCDE, e questões ligadas ao protecionismo comercial;
  3. A relação com a Venezuela e diante de arranjos regionais na América do Sul.

Além disso, posições divergentes podem surgir em situações nas quais o Brasil atue para expandir sua autonomia no campo internacional e ampliar sua voz diante de causas que considera emblemáticas. Isso tende a ser especialmente latente caso o país se aproxime de players que triangulam interesses com os Estados Unidos. Washington estará vigilante sobre movimentos em que, por ação ou omissão, o Brasil se solidarize ou ofereça apoio a figuras vistas como hostis por seus representantes.

Acabamos, inclusive, de vivenciar um exemplo claro desse tipo de situação: essa semana Lula reuniu-se com lideranças do WikiLeaks e defendeu a liberdade de Julian Assange, cuja prisão classificou como injusta. O governo dos Estados Unidos acusa Assange de espionagem e, se condenado pela justiça norte-americana, ele poderia pegar uma pena de mais de 175 anos de prisão.

Engana-se quem projeta, na política global, o futuro das relações entre países apenas com base em afinidades pessoais ou interesses de curto prazo. O diálogo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, em particular, é multifacetado e repleto de dimensões. O voo tem as condições necessárias para que seja tranquilo, mas é prudente apostar em alguma emoção pela frente.