Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Europeus recorrem a novas demandas ambientais para mascarar protecionismo
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Em coluna recente para o UOL, Jamil Chade reportou que o governo Lula enfrenta sua primeira crise diplomática com a Europa nesse inÃcio do terceiro mandato. Isso ocorre depois de uma proposta de acordo que foi considerada inadequada pelo Mercosul no que tange à aproximação comercial entre os dois blocos. A proposta, segundo Chade, impõe novas medidas ambientais e sociais como condições para que o bloco europeu aceite o avanço das tratativas e a efetiva implementação do acordo já negociado. As demandas foram vistas como excessivamente duras pelo Brasil. Trata-se de um debate antigo, mas que agora esbarra em novos desafios polÃticos.
O bloco europeu é o 2º maior parceiro comercial do Brasil e o estoque de investimentos europeus no Brasil é expressivo, abrangendo variados setores como manufaturados, serviços, mineração e siderurgia, energia, agroindústria, infraestrutura e alta tecnologia. As negociações entre União Europeia e Mercosul, por sua vez, têm se desenvolvido há mais de 2 décadas. Visam estabelecer um acordo de comércio global que possa reduzir impostos alfandegários, remover barreiras ao comércio de serviços e aprimorar as regras relacionadas a compras governamentais, procedimentos alfandegários, barreiras técnicas ao comércio e proteção à propriedade intelectual.
Desde 1995, quando foi assinado o chamado "Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação entre a Comunidade Europeia e o Mercosul", o diálogo entre as partes têm sido um processo constante e difÃcil. Em 2001, a UE apresentou uma proposta que contemplava a eliminação de tarifas para 90% das importações do Mercosul, mas sem incluir produtos agropecuários. A proposta do Mercosul, por sua vez, previa a exclusão de produtos considerados sensÃveis, principalmente do setor industrial. Em 2008, as negociações foram expandidas para incluir as áreas de Ciência e Tecnologia, infraestrutura e energias renováveis. As negociações foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010, com o compromisso de concluir um acordo com cobertura próxima a 90% do comércio bi regional.
Uma nova leva de reuniões para troca de ofertas ocorreu em maio de 2016, em Bruxelas, e incluiu bens, compras públicas, investimentos e serviços. Em junho de 2016, na Reunião Ministerial Mercosul-UE, as partes responderam a perguntas técnicas e revisaram os textos normativos do acordo, confirmando o interesse dos dois blocos em avançar nas tratativas. Em outubro de 2016, ocorreu a primeira rodada plena de negociações desde 2012, e em março de 2017 houve progresso nas áreas comercial, diálogo polÃtico e cooperação bi regional. As reuniões da equipe comercial ocorreram em maio e junho de 2017. Apesar de a oferta europeia ter melhorado em outubro daquele ano, foi considerada insuficiente em termos de cotas para etanol e carne. As expectativas de conclusão das negociações foram, portanto, frustradas em 2018. Em junho de 2019, finalmente, a União Europeia e o Mercosul chegaram a termos considerados viáveis. O acordo foi visto, naquele momento, com entusiasmo, considerando que os paÃses desses dois blocos somados representam cerca de 25% do PIB mundial.
Em resumo, o acordo assinado entre a União Europeia e o Mercosul previa, nesse contexto, a eliminação gradual das tarifas de exportação entre os dois blocos econômicos em um perÃodo de 10 anos. Isso significa que produtos como suco de laranja, frutas, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais teriam tarifas praticamente zeradas para a exportação. Além disso, haveria eliminação de tarifas para a exportação de produtos industriais brasileiros. Por outro lado, a Europa também seria beneficiada com a redução de tarifas em setores como veÃculos, maquinários, produtos quÃmicos e farmacêuticos. O acordo de 2019/2020 também incluiu cotas especÃficas para a exportação de alguns produtos, como carne bovina, frango, carne suÃna, açúcar, etanol, arroz, mel e milho.
Se, por um lado, o estabelecimento desse documento foi visto como grande oportunidade para gerar o maior mercado de livre comércio do mundo, por outro, revelou o inÃcio de uma batalha que ainda está longe do fim, já que embora o acordo tenha sido formalizado, ele enfrenta, ao longo de todo o processo, uma série de resistências e questões a serem resolvidas antes que seja efetivamente ratificado. Para sua entrada em vigor, há, portanto, diversas etapas que ainda precisam ser superadas. Além da aprovação pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu e da ratificação pelos paÃses membros do Mercosul, é preciso acomodar preocupações com questões ambientais e de direitos humanos, além de pressão de setores protecionistas na Europa, sobretudo na França.
As novas exigências europeias direcionadas ao Brasil quanto ao desmatamento ocorrem no momento em que guerra na Ucrânia coloca em xeque vários dos objetivos climáticos da própria União Europeia. Para atender a sua demanda energética, por exemplo, vários paÃses do bloco têm recorrido à fontes de energia mais poluentes. Do lado latino-americano, portanto, a pergunta que paira no ar, com razão, é: "quem vigia o vigia?"
Seja o primeiro a comentar
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.