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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro, Trump e a saída jurídica para problemas políticos

Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca - Reuters
Jair Bolsonaro e Donald Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca Imagem: Reuters

Colunista do UOL

02/07/2023 09h08

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A decisão por tornar Jair Bolsonaro inelegível por 8 anos levou a inúmeras comparações entre o encaminhamento dado ao tema no Brasil vis a vis a outras experiências internacionais, como é o caso de Donald Trump, nos Estados Unidos.

Ambos são alvos de investigações graves e acusações de abuso de poder enquanto ocupavam a presidência. Apesar disso, enquanto o sistema brasileiro punirá Bolsonaro com o afastamento da vida pública até pelo menos 2030, no caso norte-americano Trump convive com o risco de ser preso a qualquer momento e as chances de voltar à Casa Branca em 2024.

Não apenas as particularidades constitucionais e jurídicas de cada país explicam as diferenças no trato desse tipo de situação, mas também o nível de exposição a crises institucionais pelo qual cada um já passou. Para além das diferenças entre ambos, no entanto, convém refletir principalmente sobre desafios comuns que se apresentam tanto no caso de Bolsonaro, no Brasil, quando de Trump, nos Estados Unidos.

Há uma máxima que costuma defender que problemas políticos demandam soluções políticas. Em outras palavras, significa dizer que para certas crises não há saída senão no amplo debate público e na acomodação de interesses. Tudo indica que o bolsonarismo existirá sem Bolsonaro, assim como o trumpismo jamais se desmobilizou mesmo sem Trump no poder.

Isso não significa, obviamente, ignorar violações e as implicações jurídicas da ação desses personagens. É claro que sempre que houver violações da lei é papel da justiça investigar, processar e julgar os envolvidos. A separação entre política e justiça não sugere impunidade, ao contrário: conter os excessos é fundamental para estabelecer limites de ação e evitar a banalização de absurdos.

Ao mesmo tempo, é ingênuo acreditar que apenas as soluções legais serão suficientes para conter o radicalismo político e seus abusos. A polarização e o extremismo precisam ser enfrentados com a complexidade que merecem. São produtos não do voluntarismo de lideranças excêntricas, mas de um tecido social profundamente esgarçado.

Combater os excessos desses movimentos exige olhar para a desigualdade socioeconômica, para o sentimento de injustiça e exclusão de certos grupos, para lacunas de representatividade democrática e para tensões culturais, étnicas, religiosas e/ou identitárias. Quando grupos se sentem marginalizados, quando desacreditam do sistema político, ou quando se sentem ameaçados, a tendência é que se alimentem de sentimentos de revolta, se apeguem a crenças rígidas e simplificadas e busquem proteção em soluções radicais que prometem mudanças significativas e rápidas.

Se, para além de apoiar que o judiciário faça o seu papel, não falarmos sobre a necessidade de abordar as questões políticas também a partir dos mecanismos políticos estabelecidos, como eleições, negociações e diálogo para resolver disputas e crises dessa natureza, não sairemos da areia movediça em que estamos metidos.

Quando líderes radicais são impedidos de concorrer a cargos públicos, especialmente quando possuem grande apoio popular, sem que nada mais seja feito, isso pode levar a mais ressentimento e mais instabilidade social. Pode aprofundar a polarização política existente, dificultando o diálogo construtivo e a busca de soluções para os problemas comuns, e pode abrir espaço para que figuras ainda mais extremistas e radicais emerjam como substitutos.

Precisamos falar sobre política.