Brasil se cala na ONU sobre denúncias e ataca países por impedir tratamento
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O governo brasileiro usou uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta quinta-feira, para criticar governos que têm se utilizado de barreiras comerciais e restrições para dificultar o acesso a remédios e tratamentos em meio à pandemia do coronavírus.
Os ataques do Itamaraty ocorrem em um momento em que, no exterior, o governo está sendo alvo de uma avalanche de denúncias de violações de direitos humanos por conta do comportamento do presidente Jair Bolsonaro.
Nas últimas semanas, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, recebeu queixas por parte de deputados, ongs e entidades internacionais contra o governo brasileiro. De uma forma geral, as denúncias alertaram sobre a responsabilidade de Bolsonaro em minimizar a doença e, de forma insistente, violar as orientações da OMS e difundir notícias falsas sobre a situação.
O encontro, por exemplo, serviu para que a entidade Human Rights Watch incluísse o Brasil entre países que tem adotado uma postura de negacionismo sobre o Covid-19, impedindo sua população de ter acesso à informação correta. Além do Brasil, a entidade citou os casos dos EUA, China e Zimbábue.
Durante a reunião, porém, a chancelaria preferiu usar o encontro para defender suas ações, insistir sobre a necessidade de manter a economia e lançar críticas, sem citar os nomes dos países que seriam alvos das críticas.
"Todas as nossas nações estão sendo confrontadas pela tarefa difícil de proteger vidas, garantir direitos humanos e assegurando nossas economias", disse a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo. "Covid 19 está desafiando os direitos humanos de todos, em todos os lugares", disse.
Segundo ela, "sistemas de saúde quase entraram em colapso em muitos países". "Sem fortalecer nossa preparação à emergência de saúde e criando resiliência em nossos sistemas de saúde, não iremos sobreviver seja a essa ou outras pandemias", alertou.
A embaixadora também aponta que tampouco o mundo será capaz de garantir os direitos humanos de todos à saúde ou aqueles em necessidade.
Mas o discurso também foi usado para criticar governos estrangeiros. "Estamos profundamente preocupados com as dificuldades em obter suprimentos essenciais para lutar contra o Covid 19, diante de restrição de exportações e outras medidas", disse a embaixadora.
"Acesso a esses bens vai determinar quem vive e quem morre. Simples assim. É imperativo que possamos garantir acesso ao tratamento, vacinas e produtos médicos, com preços adequados", defendeu, alertando que essa é uma "questão de igualdade".
Na ONU, as restrições impostas por países na exportação de bens médicos e alimentos têm sido criticadas nas últimas semanas e, nesta quinta-feira, Bachelet voltou a pedir que tais medidas não sejam impostas.
Já o Itamaraty ainda voltou a repetir o mantra do governo Bolsonaro sobre a necessidade de manter a economia. "Os direitos econômicos também estão sendo ameaçados", alertou a diplomata.
"Medidas para preservar a economia, apoiar empresas e lidar com emprego estão sendo adotadas em vários países, inclusive no Brasil", insistiu. "Precisamos limitar o impacto dessa emergência na renda das pessoas", disse.
Segundo ela, o governo está "preocupado com os mais vulneráveis" e defendeu que tal população merece medidas extraordinárias.
Divisão
Durante o encontro, Bachelet fez um apelo à união e para que o multilateralismo fosse fortalecido. Mas, no lugar de buscas por acordos, a reunião da ONU deixou claro a divisão entre governos diante da pandemia e ataques mútuos.
Venezuela, Irã e Cuba usaram o evento para criticar as sanções impostas pelos americanos, apontando esse como o fato central na luta contra a pandemia.
O governo de Vladimir Putin também criticou governos que, na ONU; bloquearam uma declaração conjunta de solidariedade.
Pequim, por sua vez, denunciou a xenofobia em alta, num recado claro ao presidente americano Donald Trump e membros de governos como o do Brasil. Nas últimas semanas, Brasília e Washington tem insistido em chamar a doença de "vírus chinês" e culpar Pequim pelas ações.
Teste de liderança
Na reunião, Bachelet, alertou que a crise pode ampliar a instabilidade e conflito no mundo. Segundo ela, os países mais pobres devem ser os mais impactados, tanto pela doença como queda de renda. A desigualdade, no fundo, pode se aprofundar.
"Não podemos, pura e simplesmente, regressar ao ponto em que estávamos há apenas alguns meses, antes do COVID-19", disse. "Este é um teste colossal de liderança. Exige uma ação decisiva, coordenada e inovadora de todos, e para todos", afirmou a chilena.
Bachelet deixou claro claro que a situação econômica de milhões de pessoas precisa ser lidada. "As quarentenas não podem durar para sempre. Estratégias de saída devem ser cuidadosamente desenhadas para garantir que nossas sociedades e povos possam se recuperar", defendeu.
Numa recado velado ao governo americano que ameaçou cortar recursos para a OMS, ela insistiu sobre a necessidade de que o esforço de lutar contra a pandemia seja financiado.
Ela ainda pediu que medidas sejam tomadas em todos os países, para atenuar os choques desta epidemia e minimizar o aumento das desigualdades.
"Muitos países em desenvolvimento têm menos capacidade para absorver e mitigar o impacto económico e social da epidemia. Podem também ser mais vulneráveis à recessão mundial, através dos preços dos produtos de base e de uma diminuição do investimento estrangeiro e das remessas de fundos, entre outros fatores", alertou.
Cheque em branco
Mas ela ainda alertou que uma situação de emergência não é um cheque em branco para desrespeitar as obrigações em matéria de direitos humanos.
"As medidas de emergência devem ser necessárias e proporcionadas para responder a essa necessidade. As pessoas devem ser plenamente informadas sobre as medidas de emergência e informadas sobre o tempo que permanecerão em vigor. A aplicação das medidas de emergência tem de ser aplicada de forma justa e humana. Quaisquer sanções devem ser proporcionais à infracão cometida e estabelecidas por lei", disse.
"Estou profundamente preocupado com a adoção, por certos países, de poderes de emergência ilimitados e não sujeitos a revisão. Em alguns casos, a epidemia está a ser utilizada para justificar alterações repressivas à legislação, que se manterá em vigor muito depois de a emergência ter terminado", alertou.
"Estou igualmente preocupado com as medidas tomadas para impor restrições à liberdade dos meios de comunicação e à liberdade de expressão. Ações formuladas vagamente para combater a alegada "desinformação" poderiam ser aplicadas a qualquer crítica, e em alguns países já assistimos a notícias de jornalistas sendo penalizados por reportar a falta de máscaras; de trabalhadores da saúde repreendidos por dizerem que não têm proteção; e de pessoas comuns detidas por publicar nos meios de comunicação social sobre a pandemia. A crítica não é um crime", insistiu.
Bachelet pediu que "todos os governos aumentem consideravelmente o acesso a informações e estatísticas precisas". "A transparência é fundamental e pode salvar vidas numa crise de saúde. Exorto igualmente a que se ponha termo a qualquer encerramento e negação de serviço da Internet e das telecomunicações", afirmou.
Ela ainda alertou sobre o nacionalismo. "Quando todos nós enfrentamos uma ameaça existencial, não há lugar para nacionalismo ou bodes expiatórios - incluindo de migrantes e comunidades minoritárias", disse. "Tem havido ataques físicos e verbais crescentes e inaceitáveis contra pessoas de origem asiática oriental e membros de outras minorias, e devem ser tomadas medidas para combater esta situação", completou.
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